Um especial do Millôr para o internETC!
Na fronteira
Para ser lido entre o último toque de 31.12.2002 e o primeiro toque de 1.1.2003Fim de um, começo de outro, passado e presente sem contornos, a certeza, mais uma vez, de que o tempo não existe. Só existe o passar do tempo. O que nos falta, entre o ano que termina e o que começa, é um limite de precisão que não o do relógio. Não há tique-taque que meça isso a não ser o, amedrontado, do coração.
Necessitamos saber - e não podemos - se já chegamos ou ainda estamos. Queremos pelo menos uma terra-de-ninguém, que nos dê tempo de respirar, enquanto abandonamos um ano e assumimos outro. Será por isso que procuramos fazer tanto barulho quando o ano acaba? Mas não adianta tocar uma corneta, bater um bumbo, emitir um grito; as ondas se espalham, ainda!, igualmente, num ano e noutro, em círculos perfeitos que estão, ao mesmo tempo, no fundo de 2002, no primeiro degrau de 2003.
Círculos perfeitamente concêntricos de nada. O momento é totalmente vago, fugidio, não tem realidade. Estamos na angústia do que perdemos definitivamente - mais 365 dias que mergulham para sempre no buraco negro do ido - e no fulgor do primeiro minuto que virá, novo, polido, toda uma outra coisa, como nunca foi. É, ainda não chegou, e talvez jamais chegue.
Pois no meio, pavorosamente silenciosa, aquela fímbria, o instante e espaço fim/início.O intervalo invisível, inaudível. Tordesilhas de nossas vidas, linha nem sequer imaginária.
Um gesto de carinho, um copo erguido, um beijo. E o abraço do afeto, o cálice da saudação e os lábios da intimidade estarão de um lado e do outro, num tempo e noutro tempo, no aqui e agora, e no semper et ubique.
Mas é isso aí.
Feliz Ano Lula.
(Millôr Fernandes)
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