26.8.10

Impressões de viagem



Gotemburgo é a segunda cidade da Suécia, e a quinta maior da península escandinava. Tem cerca de 510 mil habitantes e zero carisma, mas quem chega ao excelente aeroporto de Landvetter tem a impressão de que pousou num importante centro turístico. Tudo, a começar pelo próprio aeroporto, construído em 1977 mas tinindo de bem conservado, colabora para essa impressão. Há balcões de recepção ao turista logo em frente à área de desembarque, e fileiras de prateleiras cheias de folhetos informativos sobre hotéis, restaurantes e atrações, todos caprichosamente editados em pelo menos meia dúzia de línguas.

Mais tarde, ao longo de suas andanças, o turista ainda vai se deparar com dezenas de outros impressos (gratuitos) vendendo ou explicando a cidade, do trajeto entre as ilhas feito pela barca Rio-Niterói lá deles (com mapa do percurso e minuciosos textos sobre cada ilha) a caderninhos sofisticados distribuídos pelo comércio, passando pelo guia oficial editado em forma de revista, com 122 páginas cheias de fotos e detalhes.

Que atrações são essas, tão alardeadas? Em primeiro lugar, um parque de diversões chamado Liseberg, bem mais simpático e menos neurótico do que os mega parques americanos, e de onde, com um mínimo de empenho, todo mundo sai com seu bicho de pelúcia ou pacote monstro de balas; depois... bem, depois é mais complicado.

Há museus, entre eles um de design, um marítimo e um da aviação, há um veleiro ancorado que pode ser visitado, há parques e jardins, há uma roda gigante, há o já mencionado trajeto da barca, há umas duas ruas de cafés à la bairro boêmio. Há tours de ônibus vermelho, de barquinho e de trem, há o mercado de peixe e o Jardim Botânico, e vários parques e jardins menores, um deles plantado no alto da colina mais alta, a 87 metros do chão, de onde se tem ampla vista lá para baixo.

A valente cidadezinha arranca leite de pedra para cativar os visitantes. Inventa museus e centros de convenção, distribui folhetos e constrói roda gigante, num empenho que chega a ser comovente. Mas a realidade é que, depois de dois dias – ainda assim numa estimativa otimista -- Gotemburgo está amplamente vista e visitada, e qualquer tempo adicional é tempo roubado de paragens mais emocionantes.

Impossível não fazer a inevitável comparação com o Rio, e a sua constelação de atrações, cada qual mais rica. Enquanto Gotemburgo chama e se esforça, o Rio dá de ombros, como se não estivesse nem aí. Lá o turista é paparicado, aqui vira coadjuvante de tiroteio em hotel de luxo; lá conduções limpas, baratas e eficientes o levam aos principais pontos da cidade, aqui ele é roubado até o último centavo por máfias oficiais de vans em lugares como o Corcovado -- onde, supostamente, deveria sentir-se protegido. Lá ele encontra balcões de informação e literatura aonde quer que vá, aqui não tem quem o socorra.

A sensação que se tem em Gotemburgo é que, se a cidade quisesse sediar uma Olimpíada, estaria pronta para isso amanhã. Aqui no Rio, ao contrário, a possibilidade de realização das Olímpiadas parece ser, cada vez mais, uma péssima idéia.

* * *

Em Gotemburgo – como em Oslo, em Copenhague e em outras cidades que visitamos – o sol se punha às onze da noite, e às duas, três da manhã já ameaçava nascer de novo. Mas a primeira coisa que criaturas tropicais descobrem naquela latitude é que claridade e luminosidade não são sinônimos. O sol escandinavo, mesmo às duas da tarde, mesmo no mais radioso dia de verão, inclementes 24 graus Celsius castigando o asfalto, é um astro pálido, que brilha pedindo desculpas e ilumina discretamente, como se escondido por véus de musselina. As cores resultam pálidas, e o mundo parece desenhado a pastel. Não há uma cor forte e vibrante à vista; nem mesmo o vermelho dos carros de bombeiro parece um vermelho como o daqui.

Esse sol tímido explica o design dos móveis escandinavos, com suas linhas essenciais e suas madeiras claras, e as cores das cortinas e estofados da região, elegantes meios tons em que nada fala mais alto. Gritar, como gritam as cores mexicanas, por exemplo, nem pensar.

As cores, por sua vez, ajudam a entender as pessoas, também elas calmas e distintas, conversando num tom de voz sempre educado. Em lugar nenhum se vê a paixão e balbúrdia dos trópicos, a natureza over das gentes e dos objetos que vivem sob o signo do sol.

* * *

Nunca vi tanta gente bonita por metro quadrado quanto na Suécia: todos são altos, louros e longilíneos, e ostentam o mesmo nariz orgulhosamente arrebitado. As crianças, então, parecem saídas de propagandas de produtos infantis, rosadinhas e com os cabelos quase brancos de tão claros.

Todos, é engraçado observar, igualmente despreparados para o calor, ou para o que imaginam que seja calor; a única coisa mais mal ajambrada do que um carioca no inverno é um sueco no verão. Nada combina com nada, há shorts curtos demais usados com camisetas demasiado longas, sapatos deslocados, meias mal resolvidas, uma confusão.

Mas a multidão sueca impressiona. Primeiro, constata-se como fica bem a espécie depois de algumas gerações de bons tratos e alto IDH; depois, percebe-se como, apesar de tudo, a uniformidade é monótona. Passadas algumas centenas de louros altos e esbeltos, o olhar busca, ansioso, uma pele morena, um olho castanho, uma cabeleira negra.

Moral da história? Quanto mais misturada, mais divertida fica a humanidade.


(O Globo, Segundo Caderno, 26.08.2010)

Nenhum comentário: