11.10.07

O mundo é um ovo, mas cadê as tomadas?

A mãe da globalização vai bem, obrigada; pena que tropece em detalhe tão comezinho


Estou em Berlim, participando do Fórum Mundial de Banda Larga. Aqui se apresentam soluções para um mundo conectado, para pessoas que saem de casa, lembram que se esqueceram de pôr CSI para gravar e, através do celular, têm acesso a um painel igualzinho ao da TV a cabo, onde podem clicar na programação e resolver o problema no equipamento doméstico. É tudo muito impressionante, até para mim, que já tive, ao longo dos anos, a chance de ver coisas que pareciam ficção científica se incorporarem ao nosso dia-a-dia.

Ainda no aeroporto, entre um avião e outro, observando as pessoas de notebook no colo, conectadas via wi-fi, eu pensava em como aquela cena parecia distante, se não impossível, há meros cinco anos. E pensava também em como toda a alta tecnologia necessária ao quadro hoje corriqueiro tropeça no que seria, em tese, a parte mais simples da equação: a falta de tomadas. Pois pelo menos metade do povo conectado estava sentado no chão, disputando os poucos pontos de energia previstos pelos arquitetos para, imagino, enceradeiras e aspiradores de pó.

Aqui no Fórum, mesmo, não faltam palestras sobre a Internet, sobre a mobilidade, sobre como fazer chegar aos rincões mais remotos o sinal mais poderoso; mas ninguém sequer pergunta onde diabos vamos espetar nossas engenhocas para recarregar as baterias.

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Colado ao centro de convenções do mesmo nome, o hotel Estrel gaba-se, do alto dos seus 1.125 quartos, de ser o maior da Alemanha. Fica num prédio modernoso, parecido com uma pirâmide cortada, e é óbvio que foi feito para homens e mulheres de negócios. Romantismo é algo que passa ao largo dos seus quartos enxutos e do seu imenso lobby, onde sete diferentes restaurantes étnicos se esforçam para dar ao hóspede a sensação de variedade e de escolha que ele não tem: o Estrel, uma espécie de Riocentro, fica a 15 euros de táxi do centro.

Parece um tédio e é mesmo, mas ninguém vem para cá para fazer turismo. Morar dentro do centro de convenções é prático e conveniente para quem participa de uma convenção; ninguém tem que se deslocar, e se alguém esquecer alguma coisa no quarto não precisa atravessar a cidade para ir buscar.

Tudo dá a impressão de ter sido meticulosa e germanicamente pensado para oferecer ao hóspede as melhores condições de trabalho – até se chegar às indefectíveis tomadas. No meu quarto há seis, mas a única que fica suficientemente próxima ao cabo DSL da Internet (não há wi-fi) está presa à parte de baixo do tampo da escrivaninha... e não há uma única indicação de que esteja lá! Só a descobri por puro desespero.

As seis tomadas (das quais três estão ocupadas pela televisão, pelo minibar e pelo abajur de pé) seguem o padrão alemão de dois pinos cilíndricos, parecidos como os nossos, mas enterrados numa reentrância que não dá colher de chá a adaptadores comuns. Na da escrivaninha espetei o notebook; nas outras faço rodízio do carregador da câmera e dos dois celulares. À noite, desatarracho as lâmpadas do bocal das luminárias da parede, porque se apagar a luz corto a energia das tomadas -- detalhe que só descobri ao me deparar, de manhã, com todos os meus brinquedos descarregados.

Podia ser pior. Eu podia estar na Inglaterra, onde as tomadas são o que há de estapafúrdio e desengonçado, com seus três pinos escalafobéticos. Lá, o rodízio se resumia a meus dois adaptadores – e ainda tenho sorte, porque não saio de casa sem eles. Na minha experiência, em qualquer hotel em que se esteja no mundo, há sempre menos adaptadores do que hóspedes necessitados de adaptadores.

Aliás, fico perplexa quando constato que ainda se gastam tantos milhões na construção e na reforma de aeroportos e de hotéis sem se prestar a devida atenção às tomadas e à sua localização. É raríssimo encontrá-las ao lado da cama, por exemplo – e, no entanto, quase todo mundo dorme com o celular na mesa de cabeceira, como despertador.

Ao mesmo tempo, numa época em que se encontra de um tudo no minibar, por que ninguém se lembra de estocá-lo com pelo menos um adaptador universal? Há poucos objetos tão necessários no mundo globalizado.

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Por falar em hotéis e em viagens, vale a pena acompanhar o blog “Re-toques na estrada”. Nele, um grupo de músicos clássicos conta em textos, fotos e até pequenos filmetes as aventuras de uma tournée que os levará a quase oitenta cidades, espalhadas por todos os estados brasileiros. A viagem começou há menos de um mês, e eles ainda têm muito chão pela frente.
O Re-toques, que se apresenta com música contemporânea brasileira, é formado por Sula Kosatz no cravo, Helder Parente na voz e flauta doce, Mário Orlando na gamba, voz e flauta doce, e Laura Rónai na flauta O nome não é coincidência; ela é minha irmã e, como eu sempre digo às visitas, é a grande escritora da família.



(O Globo, Segundo Caderno, 11.10.2007)

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