27.10.05



Os quero-queridos prontos pra briga

A saga dos quero-queros

Constituir família entre humanos? Impossível...


Há três ou quatro anos, um casal de quero-queros estabeleceu-se na minha vizinhança. Nos primeiros tempos, assim que avistavam alguém, davam gritos alarmados e voavam para longe, espantados com os estranhos; mas, aos poucos, foram se acostumando com pessoas, sobretudo com os habitués da casa. Mantiveram sua natural desconfiança dos cães, porém, e nunca foram com a cara da capivara. Sempre que ela aparecia, entravam em alerta máximo.

Com isso, aliás, me proporcionaram diversos encontros com a popstar da Lagoa, que entre meia-noite e uma da manhã costumava aparecer para beber água em frente de casa. Eu ouvia a alaúza lá de cima, descia, e dito e feito -- lá estava ela, imponente, com seu olhar altivo, como se perguntasse o que diabos havia de errado com aquele casal barulhento.

* * *

Como todo casal, aliás, os meus quero-queridos também sonham constituir família -- mas não têm dado sorte. Da primeira vez que notei um ninho seu, há dois anos, ele estava perigosamente próximo da Lagoa, e foi levado pelas águas nas primeiras chuvas.

O segundo ninho que vi teve o mesmo destino.

Quando observei um terceiro ninho, achei que estavam progredindo: afinal, abandonaram a margem e foram para um cantinho mais alto, no campo de beisebol. Puseram três ovos e tudo ia muito bem, até que chegou o Natal e, com ele, a festa da árvore da Lagoa. Quando os operários começaram a erguer os palanques, ainda pedi a um dos responsáveis que tomasse cuidado com o ninho; mas, no dia seguinte, lá estava a construção, plantada sobre os restos do lar dos quero-queros.

Em agosto passado, novo ninho. O campo de beisebol está, como o resto da cidade, completamente detonado; e eu achei que, com os jogadores impossibilitados de treinar e o Natal ainda longe, eles tinham, enfim, uma boa chance de procriar. Puseram dois ovinhos. A essa altura, já eram vigiados por vários vizinhos. Um dia, quando desci para ver se tudo ia bem, encontrei um dos passarinhos machucado, se arrastando pelo campo com o que parecia ser uma asa partida ou uma perna quebrada.

Fiquei horrorizada. Quem teria feito aquela maldade?! Um senhor que passava parou também e lá ficamos, tecendo considerações sobre a insensibilidade humana.

Tirei várias fotos do meu quero-querido para enviá-las a um veterinário e pedir conselho. Ampliadas no computador, no entanto, as fotos não revelaram nada errado. Tudo estava no lugar. Intrigada com o mistério, peneirei a internet atrás de mais imagens de quero-queros -- para descobrir que era tudo fingimento! Os quero-queros desviam a atenção de possíveis predadores fazendo-se de feridos, e afastando-se cada vez mais do ninho, num desempenho digno de Oscar.

Mas isso não salvou os ovinhos, que um dia apareceram quebrados no ninho, como se uma bola houvesse rolado por cima deles (foto pequena, acima). Foi uma tristeza enorme para todos nós que estávamos na torcida; mas eis que, em setembro, ainda no mesmo ninho, eles puseram mais dois ovos, lindos, todos pintados.

Como os quero-querinhos levam cerca de 30 dias para se formarem, havia tempo de os filhotes nascerem antes da habitual confusão natalina. Enquanto eu estava na Europa, amigos me mandaram fotos e notícias do ninho: os pais finalmente estavam tomando tenência e, agora, reagiam com rasantes furiosos à aproximação de qualquer bicho ou pessoa.

Assim que cheguei fui visitá-los. Encontrei-os em pleno choco. Gritaram comigo e me ameaçaram, abrindo as asas e mostrando o poderoso esporão que trazem escondido; depois me deram uns rasantes ferozes. Fiquei encantada: com essa atitude, talvez conseguissem chegar ao fim da missão. Os filhotes são nidífugos, isto é, nascem prontos e logo fogem do ninho, como pintos ou patos; assim, talvez estivessem até a salvo dos cachorros que passeiam por lá.

Pelos meus cálculos, os passarinhos nasceriam esta semana; mas não tiveram esta chance. Foram assassinados no sábado à tarde. Quando fui conferir o ninho no domingo, encontrei-o vazio e cercado de pedras, como se alguém tivesse apedrejado os quero-queridos. De um dos ovos não havia sinal; o outro estava ali perto, quebrado, com um pedaço de pau ao lado. Dentro, o que restava de um miniquero-quero, com penas e tudo, prontinho para a vida.

Só não estava pronto, o pobrezinho, para o ser humano. Não há notícias dos pais.

(O Globo, Segundo Caderno, 27.10.2005)

3 comentários:

yanmaneee disse...

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