5.5.02



À noite, quando se fuma

SÃO FRANCISCO -- Quem disse Los Angeles quase acertou: estou em São Francisco, uma das minhas cidades favoritas no mundo e, com certeza, a única cidade americana em que eu poderia morar, pelo menos alguns meses por ano. A paisagem é linda, a cidade é administrável (770 mil habitantes), as pessoas são ótimas e informais, há gente de todas as partes do planeta, pode-se andar a pé à vontade e o mar fica logo ali. Problemas? Para mim, basicamente, dois: o custo de vista, simplesmente astronômico, e o frio, no inverno. Para os nativos certamente existem outros -- aliás, tenho que perguntar isso ao Lynn -- mas para mim, que estou de passagem num começo de primavera, tá tudo ótimo.

A "nossa" casa fica em Telegraph Hill, uma das áreas mais "São Francisco" da cidade. Do terraço, tem-se vista para os principais pontos turísticos da cidade: as pontes Golden Gate e Bay Bridge, Alcatraz, Coit Tower e Lombard Street, aquela ruazinha torta que aparece em todos os filmes rodados aqui. Isso pode ser um transtorno ocasional: ontem, por exemplo, tivemos que dar uma volta enorme para chegar ao restaurante em que queríamos jantar, porque um grupo de ruas estava fechado para as filmagens do Incrível Hulk. E eu aqui, achando que este personagem já tinha desaparecido na linha do horizonte...

A volta valeu a pena; fomos a um grego chique mas bom, meio que lugar da moda. Comemos bem e nos divertimos vendo as pessoas; mas bom mesmo foi o jantar da sexta-feira, quando fomos no Da Flora (Ostaria Venexiana), logo aqui embaixo, a poucos quarteirões de casa. A Flora, amiga do Lynn, é meio húngara e meio italiana, mais exatamente meio veneziana, o que nos torna seres da mesmíssima procedência -- com a diferença que ela aprendeu a cozinhar de verdade, e eu não.

Ela e sua companheira Mary Beth têm dois gatos muito simpáticos, de 12 e 13 anos, cujos retratos ficam bem visíveis em cima do balcão. O restaurante é pequeno, aconchegante e muitíssimo bom. Tudo estava ótimo. A quem tem planos de vir para esses lados, recomendo com todas as estrelas possíveis. O endereço é 701 Columbus Ave., e o telefone (deve-se fazer reserva) é (415) 981-4664.

O mais interessante de tudo, porém, não foi o jantar. Foi o fim do jantar. Nós éramos uma das últimas mesas da casa, e a moça que nos servia disse ao Lynn para segurar as pontas, porque era aniversário da Mary Beth e o pessoal só estava esperando os últimos clientes irem embora para comemorar. E assim foi. Aos poucos foram chegando os donos e donas de outros restaurantes do pedaço, que também haviam acabado o serviço, alguns trazendo flores, outros presentinhos diversos. Rolou uma grapa muito boa pra todo mundo, fecharam-se as portas e... várias pessoas começaram a fumar!

Brincadeira? Que nada! Esta é a nova atividade ilícita em São Francisco, onde os fumantes não têm mais vez em lugar algum. Lynn e Daniel, o amigo que estava conosco, são dois dos últimos moicanos, assim como Mary Beth e uma meia dúzia dos seus amigos. Achei muito engraçada aquela cumplicidade de foras-da-lei, que me lembrou um bando de adolescentes esperando os pais saírem de casa para fumar escondido.

Ficamos todos batendo papo animadamente por mais uma hora, e depois voltamos para casa a pé, enfrentando as ladeiras e um vento frio que só vendo. Foi uma noite maravilhosa.

Nenhum comentário: