28.2.02



Ainda sobre pirataria


(Qual é qual? O da esquerda é coreano, e custou US$ 12; o da direita, americano, custou quase três vezes mais. Os dois são legítimos produtos da Columbia Tristar Pictures, sem falsificações.)

A Flavia fez uma pergunta interessante num dos comentários do post logo abaixo do gatinho dorminhoco:

"Tire uma duvida minha, por favor, pertinente a essa "divisão do mundo em regiões". Se eu mandar vir o DVD brasileiro do "Auto da Compadecida" pros EUA, não conseguirei assistir no meu equipamento americano?"

A menos que o disco tenha sido feito para todas as regiões (informação que consta num quadrinho pequeno, em geral num dos cantos inferiores da caixa, onde se lê ALL), não vai não, Flavia -- assim como se você mandar vir da Inglaterra a coleção completa do Black Adder também não vai poder ver.

Para dar uma idéia do absurdo que é isso, imagine comprar um CD no Brasil e não poder ouví-lo no Japão, ou ganhar um livro de um amigo australiano mas não poder lê-lo na França. Ou, ainda, imagine-se toda contente, voltando das férias e trazendo consigo vários preciosos DVDs europeus que jamais encontraria aqui, todos legitimamente comprados com o seu rico dinheirinho, em pontos de venda perfeitamente legais -- mas impossibilitada de assistí-los porque o sr. Jack Valenti e seus cupinchas de Hollywood acham isso muito perigoso para os seus (deles) negócios...

Esta divisão, inteiramente arbitrária -- e, em alguns países, já considerada ilegal -- foi instituída pela MPAA sob a alegação de que os filmes não estréiam ao mesmo tempo no mundo inteiro, e que freqüentemente são lançados nos EUA em DVD antes de chegar aos cinemas em outros países. Isso nunca chegou a ser problema com as fitas de video, já que os sistemas de TV da Europa, do Japão e dos Estados Unidos, seus principais mercados, são incompatíveis. Mas com o DVD a coisa muda de figura.

De modo que, para -- em tese! -- garantir público para a exibição dos filmes nas salas, Hollywood adicionou um sistema de identificação regional à criptografia dos DVDs (o infame CSS), exigindo dos fabricantes de players que pusessem, nas máquinas, mecanismos de leitura que assegurassem que apenas DVDs "autorizados" funcionariam nelas.

Toda essa história de lançamentos diferenciados até poderia ser verdade -- se não fosse tão obviamente mentira. O que está por trás da divisão em regiões não é a preservação do público das salas de cinema, mas, como de hábito, a pura e simples ganância dos produtores, que querem continuar tendo o privilégio de arrancar o máximo possível do couro dos usuários, evitando que comprem DVDs onde os encontrem a bom preço. E, de quebra, determinando o que eles podem (ou não) assistir. Em suma: controle absoluto da distribuição.

Por exemplo: acabo de dar uma busca em O Sétimo Selo, de Bergman, que custa US$ 35,99 na Amazon.com: no Brasil, ele custa o equivalente a US$ 16,92 (R$ 39,90 nas Lojas Americanas); na Inglaterra, o equivalente a US$ 26,38 (£ 18.59 na Blackstar); e, na França, o equivalente a US$ 24,79 (€ 28,66, na Fnac). Com exceção da edição da Fnac (que vem, inclusive, com um segundo filme, a respeito do qual não há informações no site, e que chama-se Ville Portuaire -- será o Port of Call? socorro, Sérgio Augusto!), as outras são iguais.

Outro exemplo? Cheque esta estranhíssima equação da Amazon, que cobra US$ 18,74 pelo Matrix nos EUA e £18.99 na Inglaterra, numa conversão monetária no mínimo peculiar.

Quando estive em Seul, no ano passado, comprei a versão do diretor de Lawrence da Arábia. Um DVD perfeitamente legal, com todos os selos da Columbia, folheto e tudo o mais, só para comparar com a edição americana, que eu já tinha em casa. Ela custou cerca de US$ 12, contra os US$ 33,49 da Amazon.com. Com exceção das caixas, diferentes, os discos são rigorosamente iguais, até no selo; os dois (melhor dizendo, os quatro: são dois por caixa) têm os mesmos extras, e até legendas nas mesmíssimas línguas, entre elas português do Brasil. Se eu puser no ar, não há como dizer qual é uma e qual é a outra. Mas enquanto a edição americana só roda na região 1, a coreana só funciona na região 3.

É perverso isso, ou o quê?!

Felizmente, nem tudo está perdido para nós, usuários: ambas funcionam muito bem, obrigado, no meu player, que é code free e, portanto, lê DVDs de qualquer parte do planeta, assim como o drive de DVD do meu computador. A meu ver, aliás, esta é a principal característica que se deve buscar tanto nos players quanto nos drives: liberdade. O resto é firula.

Na OpenDVD.org há uma boa coleção de textos sobre esta aberração cultural/comercial. A partir de lá, chega-se a listas de equipamentos decentes, que aceitam discos de qualquer procedência. E assim como, antigamente, se fazia a transcodificação dos aparelhos de video-cassete, é possível, em alguns casos, dar um jeitinho em players e drives defeituosos.



PS: Os estúdios nunca foram mesmo de confiança. Acabo de encontrar uma carta maravilhosa que Groucho Marx escreveu para a Warner Brothers, quando esta quis proibí-lo de filmar Uma noite em Casablanca, aparentemente receosa de que os espectadores confundissem a Ingrid Bergman com o Harpo.

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