Todas essas fotinhas foram enviadas, como faço habitualmente -- uma pequena história visual do meu cotidiano, agora restrito ao apartamento e, mais exatamente, à sala, onde transcorreu o meu primeiro dia pós-hospital e onde, como percebo, transcorrerá a maioria dos dias de imobilidade que me aguardam.
O diabo é que a Tim está menos confiável ainda do que o meu joelho, e nenhuma delas chegou.
Mais tarde vou ter que conectar o celular ao notebook para baixá-las, como fiz ontem -- este é um notebook antigo, que só funciona com bluetooth USB, e estou cansada demais para ir ao escritório buscá-lo.
* * *
Cansada demais.Essa é a expressão que melhor define o meu estado de espírito. Percorrer a ridícula distância até a cozinha virou uma aventura; ir ao meu quarto lá no fim do corredor é uma excursão que só vale à pena empreender no fim do dia, pra dormir; ir ao escritório, meio em obras, nem pensar.
O próprio banheiro de visitas, que felizmente é um banheiro mesmo e não um lavabo, mas que é ainda mais perto da sala do que a cozinha, se é que isso é possível, virou ponto geográfico a ser cuidadosamente considerado antes que me anime a empreender uma incursão até lá.
Tudo me parece horrivelmente distante, cada passo é um esforço sobre-humano, cada destino uma viagem.
Agora, que já não estou no hospital, e tenho que "pensar" o corpo, descubro hematomas e pedaços doloridos onde antes tudo parecia OK. Meu braço esquerdo, por exemplo, que não tem um hematoma, dói. Minha perna direita, com duas manchas sinistras, está boa.
Vá entender.
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Mamãe passou o dia comigo, benção que não pode ser superestimada. Conversamos muito, almoçamos, lanchamos, ficamos quietas.O bom de Mãe é que é, pronto. E a minha, além de ser, é mais.
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Estou muito desconcentrada para conseguir ler direito ou prestar atenção a qualquer coisa por mais de uns poucos minutos. Nisso os gatos são, todos, pequenas (e, vá lá, em alguns casos não tão pequenas) felicidades quadrúpedes, especialmente, dadas as circunstâncias, o Irineu, que parece uma máquina de inventar bobagem e que, jovem gato que é, não pára um segundo.Na falta do que fazer imagino mudanças que já imaginei mil vezes para a sala, mas que agora começam a tomar ares de possibilidade.
A maior mudança, no entanto, começa amanhã, urgentemente, no banheiro de visitas. Aqui em casa todos os chuveiros ficam dentro da banheira, ou seja, fora do alcance de um bípede pela metade. O banho de cuia dado pelas enfermeiras limpa direitinho mas não resolve a questão.
Resultado: na terça, no mais tardar, tem de entrar aqui uma equipe de obras pra pôr pelo menos uma banheira abaixo.
Aliás, peço por favor a quem mora no Rio, tem experiência recente com obras e boa equipe a recomendar que me deixe o telefone do pessoal aí nos comentários.
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Desculpem o post deprê e mal-humorado.Em minha defesa só posso dizer que, entre outras coisas estranhas nesses dias estranhos, descobri que meu cérebro não fica na cabeça, como a anatomia sugere e eu imaginava, mas sim no joelho.
Update: Mais uma vez, perdão pelo baixo astral. Vocês não merecem isso, e eu, apesar dos atuais pesares, não tenho qualquer direito de me queixar da vida, pelo contrário.
Hoje à tarde, cobrei da Mamãe:
--Vem cá, por que é que, tendo herdado o lado, uh, cheinho do Papai, e mais o seu (dele) espírito atlético, eu tive que herdar justo a paciência do Nonno?!
Meu Pai, cujo único esporte era xadrez e que, se não fosse a vigilância da Mamãe sobre o que se comia em casa, passava facilmente do peso, era, por outro lado, a pessoa mais paciente que já conheci. Já o Nonno, meu avô materno, atleta por excelência a vida inteira, como Mamãe, e dono de uma força de vontade inquebrantável, era, digamos, um tanto explosivo.
-- Tá, tá,-- emendei na hora. -- Eu reconheço, o Nonno era bem mais impaciente do que eu.
Mamãe nem se deu ao trabalho de levantar os olhos do jornal:
-- Só porque era homem, e se as mulheres fossem impacientes como os homens, a humanidade já tinha se extinguido há milhões de anos. De resto...
Oops.
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