Depois de desbloqueado por ‘hackers’, o iPhone chega às mãos de mais e mais brasileiros
Pela nossa reconhecida habilidade em dar jeitinhos, o iPhone até que demorou a chegar ao Brasil. Lançado em junho com direito a filas nas lojas da Apple, ágios ridículos no eBay e reclamações generalizadas a respeito da exclusividade para a AT&T, o “indesbloqueável” foi aberto em agosto por George Hotz, de 17 anos, morador de Nova Jersey, que trocou o primeiro aparelho hackeado por um Nissan 350Z, que dizem ser um tremendo carro, e mais três iPhones para se divertir.
Achei que no dia seguinte teríamos iPhones pipocando por aqui, mas superestimei nossos hackers: George Kharrat, um analista de sistemas de 26 anos, levou quase uma semana para fazer o primeiro desbloqueio brasileiro, via hardware, assim como o seu xará americano. Kharrat vendeu o aparelho desbloqueado por R$ 4 mil. Não tirou a sorte grande de Hotz, mas tam-bém não fez mau negócio. Quem se deu mal foi o apressadinho que desembolsou a pequena fortuna: o desbloqueio via software, hoje disponível na internet para qualquer um, estava a um passo de acontecer.
E assim é que, finalmente, em meados de setembro, o iPhone virou figurinha fácil, ou quase isso, entre os descolados digitais — que, além de tudo, estão se beneficiando da feliz conjuntura astral que jogou o dólar lá embaixo. Por qualquer R$ 1.800, preço médio, e, em alguns casos, até parcelado, arremata-se um iPhone novinho em folha no Mercado Livre, pronto para funcionar com qualquer operadora brasileira.
O iPhone é realmente lindo e tem uma capacidadede chamar a atenção fora do comum: leve-o a uma festa e você só ficará sozinha se a Fernanda Torres estiver presente. Além daquele corpo, daquela cabeça, daquele carisma e daquele Andrucha, ela já tem um iPhone, o que, convenhamos, é muito poder de fogo para uma criatura só. Console-se pensando que alguma coisa, pelo menos, vocês têm em comum.
Há riscos em comprar um? Muito poucos. O Mercado Livre é um site de leilões onde a principal propaganda dos vendedores é a sua (deles) reputação; leia o que dizem seus clientes. O maior risco vem mesmo da Apple, que tem feito tudo ao seu alcance para detonar os aparelhos desbloqueados. Ainda agora, a maçã envenenada de Cupertino lançou uma atualização de software, de número 1.1.1, que bricka todos os iPhones abertos. Abro um parênteses para explicar o neologismo: brickar vem de to brick, que em inglês significa, literalmente. "transformar em tijolo". Fecho o parênteses recomendando a todos que não façam em hipótese alguma essa atualização, embora já circulem na rede meios de revertê-la.
Para quem se preocupa com o aspecto legal do desbloqueio, vale esclarecer que a legislação dos EUA garante o direito do consumidor de desbloquear qualquer aparelho celular. A grande dúvida jurídica do momento é saber se a Apple tem o direito de destruir, propositalmente, os aparelhos rebeldes. Algo me diz que vai ser muito divertido acompanhar os processos que vêm por aí; os advogados já estão esfregando as mãos. Isso lá em cima, porque aqui a questão sequer chega a se impor, posto que a AT&T não funciona no Brasil.
Esclarecidas essas questões, vamos ao que de fato interessa: vale a pena gastar nossos suados caraminguás para comprar um iPhone?
Depende. Para quem usa o celular como ferramenta de trabalho e carrega toda a sua vida no aparelho, a resposta é não; para quem usa celular só para conversar e adora objetos bonitos, a resposta é sim, até porque todo um mundo de possibilidades se abrirá na sua tela. A resposta também é sim para quem gosta de um desafio tecnológico e vibra quando vira a noite domesticando um gadget. Paradoxalmente, de todos os aparelhos que conheço, o iPhone é o que oferece a troca mais simples de simcard: ele tem uma tampinha no topo que se abre com um arame qualquer (o que seria da alta tecnologia sem os velhos clipes de papel?!) e, zás, lá vem uma gavetinha lindinha onde o simcard se encaixa como um gato numa almofada.
O iPhone é, também, um dos celulares mais divertidos de personalizar, uma vez aberto. Há esquadrões de hackers postando toda a espécie de modificações online, de editores de texto a formigueiros. Instalei um no meu e me divirto dando petelecos nas formigas que passeiam pela tela. Batizei-as todas de Steve Jobs.
(O Globo, Revista O Globo, 8.10.2007)
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