Relendo Jorge de Sena
Cada vez que leio Jorge de Sena descubro uma coisa nova, ou uma coisa antiga que me impressiona de maneira nova.Genesis
De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.
Nem de existir, que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.
Por mais justiça... -- Ai quantos que eram novos
em vâo a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade... Ó transfusâo dos povos!
Não há verdade: o mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.
(1946)
Fidelidade
Diz-me devagar coisa nenhuma, assim
como a só presença com que me perdoas
esta fidelidade ao meu destino.
Quanto assim não digas é por mim
que o dizes. E os destinos vivem-se
como outra vida. Ou como outra solidão.
E quem lá entra? E quem lá pode estar
mais que o momento de estar só consigo?
Diz-me assim devagar coisa nenhuma:
o que à morte se diria, se ela ouvisse,
ou se diria aos mortos, se voltassem.
(1958)
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