Omissão e covardia
Tendo escrito na semana passada sobre Chernobyl, eu pretendia voltar hoje à questão da energia nuclear. O tema rendeu um ótimo debate lá no blog e alguns leitores enviaram mensagens muito interessantes para a redação. Afinal, Angra fica logo ali e os gringos estão rosnando.Mas, entre a crônica da semana passada e a desta, o tempo fechou sobre a nossa, apesar de tudo e sempre amada, cidade. No meu coração, a questão da energia nuclear passou para segundo plano. À mente, restou registrar o absurdo da constatação: chegamos ao ponto em que escrever sobre energia nuclear, vivendo a apenas 150km de uma usina, seria alienação diante da realidade.
Não que o despreparo e a incompetência das autoridades tenham me surpreendido. Como carioca, há tanto tempo convivo com governos desastrosos que, ao contrário, estranharia o mínimo sinal de eficiência.
Mas o show de omissão e covardia a que assistimos no fim de semana foi inédito, de virar o estômago. Uma área gigantesca e estratégica para todo o movimento da cidade entrou em guerra, houve mortes, milhares de pessoas não puderam voltar para casa, crianças ficaram sem aula — e não se teve sinal da “governadora”. O secretário de “segurança”, que não titubeou em aparecer na TV interrogando um suspeito suspeitíssimo, preferiu continuar de folga. E, em Brasília, ninguém — ninguém! — teve nada — nada! — a declarar até o começo da semana.
O que é isso?!
Em qualquer lugar mais ou menos civilizado do mundo, quando uma cidade explode, as autoridades, ou pretensas autoridades, tentam, pelo menos, fazer de conta que estão a postos, atentas, “tomando providências”. Prefeitos, governadores, deputados, secretários, ministros — todos vêm a público, com ar grave, marcar presença.
Presidentes se manifestam.
Tentam — pelo menos! — fingir que fazem jus aos cargos de representantes do povo que ocupam. Tanto eles quanto nós sabemos que nada daquilo fará muita diferença; mas é de praxe, e faz parte do ofício, “tranqüilizar a população”, dando as caras nos maus momentos.
Enquanto as autoridades municipais, estaduais e federais se escondiam, silenciosas, durante o feriado, a internet fervilhava. Entre manifestos, protestos e e-mails indignados, chamou a minha atenção o desabafo que Silvio Reis, pacato professor e cidadão de bem, enviou, no sábado à tarde, para a governadora. Até a noite de terça-feira, sua assessoria sequer acusara recebimento.
“Prezada Governadora,
Eu não acredito que a senhora ou o seu marido sejam capazes de enfrentar o problema da segurança pública no Rio de Janeiro. Não digo resolver, afinal são muitos anos de descaso de governos anteriores (como o do padrinho político do seu marido, o sr. Leonel Brizola), digo enfrentar, mostrar trabalho.
Até o momento o seu marido só se apresenta para patetices como a do caso Staheli e agora, na Semana Santa, o que vemos? Uma guerra entre os narcotraficantes que simplesmente ignoraram a polícia, e a senhora e o seu marido estavam de folga em Angra dos Reis e mandaram dizer pela assessoria de imprensa que não iriam falar por estar de férias. O Rio explodindo, a imprensa só falou da Rocinha, mas na Tijuca se ouviram tiros durante toda a noite também, e a senhora e o seu marido de férias.
É inadmissível este desrespeito que a senhora e o seu marido têm pelo Rio de Janeiro. É insuportável, é irritante, é absurdo, é angustiante enfrentar esse seu despreparo e o do seu marido, é angustiante tê-los como governadores do Rio.
Todas as noites espero angustiado a minha mulher voltar do trabalho, corro angustiado para casa para acalmá-la, e só vejo meu sofrimento aumentar.
Estou cansado da sua cara de deboche e da cara de falsidade do seu marido. Estou cansado de vocês. E nunca pensei que fosse capaz de fazer algo em relação a isso mas eu vou fazer o que todos devem fazer: lutar politicamente para expulsá-los da vida política para sempre. Quero o casal Garotinho longe do meu Rio de Janeiro, quero vocês longe daqui e vou fazer isso pelo meu voto e pelo voto de milhares de pessoas que como eu estão indignadas com essa situação vergonhosa. Eu vou lutar politicamente pelo enterro político do casal Garotinho!
Sumam da nossa vida.
Não quero saber o que vocês vão fazer, não quero saber do seu cabelo, da sua igreja, só que vocês não ocupem nunca mais nenhum cargo público.
BASTA!!!
E espero encontrar apoio em qualquer lugar, não me interessa saber de quem é o apoio, aceito apoio do diabo para tirá-los da vida pública da minha Cidade Maravilhosa. Só temo que ele já seja aliado do casal Garotinho. Os eventos da Sexta-feira Santa me deixaram atônito com o despreparo e com o perigo real de guerrilha urbana entre os grupos narcoterroristas.
ADEUS!”
(O Globo, Segundo Caderno, 15.4.2004)
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