A Colômbia não se fez em um dia
A carta do professor Silvio Reis, publicada aqui na semana passada, teve uma repercussão extraordinária. No blog, a discussão ultrapassou 500 comentários, em diversos posts; nas minhas duas caixas postais, deixei de contar os e-mails no sábado, quando já eram mais de 200. Não foi possível responder a todos pessoalmente, é claro, mas li um por um, encaminhei a maioria ao professor e agradeço de coração aos leitores que escreveram, e continuam escrevendo. Foi bom saber que o desabafo do Silvio, que tão bem falou por quase todos nós, encontrou eco na sociedade.Digo “quase” porque, na avalanche de mensagens de solidariedade e apoio, houve algumas vozes dissonantes. Mais especificamente, três, defendendo a governadora e o secretário; e cerca de uma dúzia protestando que não se pode atribuir a eles, exclusivamente, o atual estado de coisas.
Isso é incontestável, e em nenhum momento se fez aqui esta acusação. Pelo contrário: a covardia e a omissão em relação à segurança do estado são generalizadas e, até por isso, estarrecedoras. A prefeitura nada faz contra o crescimento desordenado das favelas, enquanto o governo federal age como se o Rio ficasse em Marte ou no Iraque. Não é problema seu, não merece atenção sua, não quer dizer nada. O presidente Lula, que não perde ocasião de fazer discursos, continua mudo em relação à questão. Afinal, a Rocinha não fica em São Paulo.
Este descaso absoluto, por parte de todos, é de cortar o coração. Quando a gente acha que chegou ao fundo do poço com a guerra da Rocinha, dá de cara com o bonde do Lulu, no São João Batista, desafiando abertamente a polícia: sete ônibus de bandidos, que deveriam ter sido recolhidos à delegacia mais próxima. Ou alguém vai querer me convencer que aqueles eram cidadãos honestos e trabalhadores, que foram se despedir, na santa paz, do amigo morto?! Passam-se dois dias, e a polícia encontra minas terrestres em poder de traficantes...
Às vezes a gente olha para a Colômbia e se pergunta como pôde um país daquele tamanho mergulhar tão profundamente no caos. A resposta está aqui, na nossa cara: assim, passo a passo, com a conivência e a omissão das autoridades, com a incompetência estabelecida em todos os níveis da administração. A governadora e o secretário seu marido podem até não ser os únicos do lote, mas são, certamente, os que têm a pior atitude. Ou falta de.
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“O espaço cedido em sua coluna do dia 15 de abril às virulentas e desrespeitosas críticas do professor Silvio Reis — classificadas pela ilustre jornalista como “desabafo” — à autoridade conferida à governadora Rosinha Garotinho pelo povo do Estado do Rio de Janeiro e ao secretário de Segurança Pública e ex-governador do Rio, Anthony Garotinho, por ela nomeado, terminou por lançar ofensas que não contribuem em nada com o que há de mais importante no jornalismo: a promoção do debate para a paz social.
A publicação de um texto marcado pelo irracionalismo e absolutamente destoante do tom empregado pelo titular da coluna em sua dura (mas respeitosa) crítica aos episódios que envolveram a tentativa de invasão da Rocinha ultrapassou os limites do aceitável. A tentativa de achincalhe, que beirou o xingamento, da autoridade máxima do Governo do Rio e do ocupante de uma das mais importantes de suas secretarias de Estado é um absurdo. Impressiona-me o fato de que, mesmo com a drástica redução dos atuais índices de criminalidade no Estado, o suposto exercício da democracia não tenha sido utilizado tão ferozmente contra aqueles que, nos últimos anos, estiveram à frente do governo e pouco ou nada fizeram para combater, de fato, à criminalidade.
Sinceramente, seria muito melhor que, neste momento, estivesse aqui somente rebatendo as críticas feitas por você, Cora, mas, infelizmente, a abertura para uma crítica de tão baixo nível definiu como prioridade a discussão em um outro plano, ou seja, o do papel da imprensa no tratamento das questões que envolvem o Estado e o Governo. Afinal, é necessária a seguinte reflexão: por que a sensação de insegurança não condiz com a realidade de que o tráfico de drogas está sendo enfraquecido economica e belicamente, não somente na Rocinha, mas na maioria das 600 favelas da Região Metropolitana do Rio? Vamos ao debate.”
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(O Globo, Segundo Caderno, 22.4.2004)
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