O outro lado
"Cara CoraA carta é muito gentil e o autor está, é óbvio, infinitamente mais bem preparado do que eu para falar sobre energia nuclear.
O saite da ucraniana é mesmo impressionante, e minhas poucas palavras aqui não são para desmerecer isso, de forma alguma. O relato é humano e tocante.
Mas como pesquisador, especialista trabalhando na área desde 1978, não posso me furtar a deixar sem respostas alguns poucos absurdos surreais contidos na sua coluna de hoje. Vou tentar ser resumido sobre um assunto tão complexo:
1. Não morreram "milhares de pessoas" no acidente. Só se conhecem de morte direta do acidente cerca de 34 pessoas, a maioria bombeiros que se espuseram diretamente para tentar tapar o buraco aberto pela explosão de vapor. Sim, é verdade que pode haver muitas outras mortes decorrentes de cânceres adquiridos sem tratamento, porque a área era [é] tão pobre que não havia, por exemplo, pastilas de iodo para fornecer à população [o que evita que se inale o Iodo-131 que pode causar câncer da tireóide]. Assim, o número exato de mortes é rigorosamente desconhecido, mas isso não quer dizer que morreram "milhares" de pessoas. A indústria do petróleo na década de 1980 em Cubatão matou dezenas a centenas de pessoas, assim como fez nascer diversas crianças sem cérebro. Mas o fato de não conhecermos o número exato de pessoas atingidas pela poluição atmosférica em Cubatão não nos autoriza a dizer que podem ter sido "milhares" ou "centenas de milhares", pois não?
2. As pessoas que tenham morrido ou que venham a morrer devido a insistirem em morar na área, mesmo conhecendo os riscos, na minha modesta opinião não podem ser contabilizadas como mortes que passam para o público como decorrentes do acidente, porque isso mascara a gravidade do acidente. Se um asteróide radioativo cair numa área e matar, digamos, 50 pessoas, fazendo com que uma grande área fique radioativa, não se pode imputar ao asteróide a causa da morte das pesoas que, posteriormente, mesmo sabendo dos riscos, insistam em morar lá. Eu defendo o direito de se suicidar, eu me sensibilizo profundamente com essas pessoas, até concordo de certa forma com o argumento delas, mas não se pode somar os suicídios àqueles mortos que foram atingidos diretamente, por exemplo, e daí tirar conclusões sobre o nível de gravidade do evento. É polêmico, por exemplo, se devemos contabilizar mortes por erupções vulcânicas as de pessoas que insistem em morar dentro da região de risco imediato em caso de erupção.
3. O reator de Chernobyl, apenas para esclarecimento da população brasileira, é tão parecido com Angra 1, 2 e 3 quanto um carrinho de mão se parece com um Mercedez em termos de segurança. Os reatores semelhantes à Angra 1, do tipo PWR, são em número de cerca de 430 em operação no mundo, com um único acidente, o de TMI nos EUA, que destruiu o reator mas não matou nem um passarinho do lado de fora, em mais de 30 anos.
4. Ainda há três reatores semelhantes ao de Chernobyl que explodiu funcionando nos países que eram a URSS; embora medidas de segurança tenham sido tomadas e assim a segurança destes reatores seja hoje maior do que era na época, ainda constituem projetos de risco inaceitável, e que preocupam a comunidade internacional.
Cordialmente,
Pedro P. de Lima-e-Silva
Engenheiro Ambiental
Serviço de Segurança Radiologica e Ambiental
Divisão de Reatores Nucleares
Comissão Nacional de Energia Nuclear"
Agradeço, de coração, a gentileza que teve em escrevê-la, e publico-a para que vocês conheçam os argumentos do outro lado.
Digo "outro lado" porque, apesar de não conhecer a respeito do assunto mais do que aquilo que se pode encontrar na internet, sou -- em princípio -- contra o uso de energia nuclear onde existam outras alternativas. Leia-se, em primeiríssimo lugar, o Brasil.
Não ignoro que praticamente todas as formas de geração de energia são poluentes e/ou causam grandes danos ao meio-ambiente (vide Itaipu), mas o uso de algo que pode dar tão errado quanto Chernobyl me deixa no mínimo intranqüila -- para não dizer apavorada, mesmo.
Isso pode ser -- e provavelmente é -- fruto da minha ignorância; mas ainda não consegui encontrar argumentos que de fato me convençam do contrário.
Sei que a tecnologia do setor fez enormes progressos, e que hoje se trabalha com muitíssimo mais segurança; assim como sei que é praticamente impossível que um acidente como o de Chernobyl venha a se repetir. No entanto, o assunto está longe de ter passado em julgado, e continua dando margens a discussões intermináveis e acaloradas (sem trocadilho!).
Desconfio, portanto, de todas as informações que recebo a respeito, seja do pessoal contra energia nuclear, seja do pessoal a favor.
Por exemplo: nosso amigo engenheiro que me perdoe, mas como é que alguém pode acreditar que um desastre daquelas proporções matou apenas 34 pessoas?! Pode alguém, em sã consciência, aceitar qualquer dado oficial saído da União Soviética?!
No mais, acho impossível mascarar a gravidade de um acidente que contaminou uma região daquele tamanho para todo o sempre. Ou, vá lá, apenas para os próximos 600 anos.
Por outro lado, também não acredito inteiramente nos dados horripilantes que venho recebendo de ativistas contra as usinas nucleares, mas eles, ainda que estejam enganados ou sejam excessivamente alarmistas, estão tentando salvar o mundo -- e isso merece minha inteira simpatia.
O que me impressionou no site da Elena foi, justamente, a ausência de sectarismo. Ela mostra o que viu e conta o que sabe, sem ser panfletária.
Os fatos -- e as fotos -- falam por si.
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