De patinhos feios a objetos de desejo
Nos supermercados de Seul é comum ver os produtos mais triviais cuidadosamente embalados para presente: latas de óleo, pacotes de macarrão, açúcar, sabão em pó, biscoito. Um amigo explicou: é que os coreanos trocam tantos presentes entre si que o gesto passou a representar apenas isso, um gesto. Pouca gente tem bala na agulha para cumprir o ritual com objetos cobiçáveis; menos gente ainda tem tempo para trocar todos os presentes de que não gostou; e ninguém, absolutamente ninguém, tem espaço em casa para acumular tanta quinquilharia.Faz sentido — mas, ainda assim, me pareceu bem frustrante. Adoro atum em conserva, por exemplo, mas acho que ficaria muito desapontada se ganhasse um presente todo bonitão e, na hora H, descobrisse que era uma lata de atum. E olhem que uma lata de atum tem mil e uma utilidades culinárias, ao contrário de tantas bobagens que a gente ganha apenas para passar adiante. Os coreanos têm, nota-se, mais lógica sentimental do que a gente.
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Hoje, pelo contrário, é preciso procurar muito numa livraria para encontrar um presente coreano. Os livros brasileiros não podiam ser (ou estar?) mais atraentes; e não estou me referindo apenas aos de arte, tradicionalmente bem cuidados. Até as editoras universitárias estão fazendo um bonito. As capas são sedutoras, o papel é da melhor qualidade, a mancha gráfica é generosa. A indústria descobriu, enfim, que não basta um bom texto para seduzir o consumidor, e trouxe à tona o lado sensual dos livros. Bons de ver e de pegar na mão, de folhear e acariciar.
Vejam, por exemplo, “Na sala com Danuza.2”. Injustiça chamá-lo de “nova edição”. É um livro todo novo, não só pelos acréscimos e modificações do texto, como pelo projeto gráfico ma-ra-vi-lho-so da Pinky Wainer. Num mundo de celebridades efêmeras, nada como encontrar o artigo genuíno: Danuza Leão tem um senso de humor afiado, é inteligente e sabe tudo. O máximo.
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Devo confessar que tenho um fraco pela Cosac & Naify, que faz os livros mais tentadores que conheço. Livros livros, de verdade, daqueles de ler, e não apenas de ver figurinhas. Embora, em alguns casos, aconteça uma feliz convergência, como na “História da arte italiana”, de Giulio Argan, puro deslumbramento. Ao contrário de “Passaporte”, tão pequetitinho, são três alentados volumes, num total de 1.400 páginas que deixam a gente sem saber o que fazer. Olha-se tudo primeiro, e depois se começa a leitura, ou começa-se a leitura e depois se descobrem as ilustrações, devagarinho, puxadas pelas palavras? Ó dúvida cruel! Como sou impetuosa, estou fazendo tudo ao mesmo tempo, lendo, olhando, indo e vindo entre os volumes. Taí. Se fosse pecado, eu estava frita.
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(O Globo, Segundo Caderno, 27.11.2003)
* Update: Um leitor bibliófilo me escreveu muito sentido, mandando uma lista de lindas edições do passado. A lista não tem nada dos anos 60/70, décadas a que me refiro, mas fico pensando se não injusticei meus amigos livros ao chamá-los de monstrengos.
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