21.11.03



A bolsa em baixa

O mote da coluna passada (“O que é mais cafona: uma bolsa Vuitton autêntica a R$ 3.500 ou uma falsificada a R$ 300?”) era uma pergunta apenas retórica mas, aparentemente, tocou num ponto sensível da pinimba coletiva. Entre e-mails e comentários no blog, onde reproduzi o artigo — sem falar nas dezenas de pessoas que se manifestaram no Fotolog — 118 leitores deram opinião a respeito do assunto.

Os títulos de algumas mensagens que chegaram ao longo da semana dão uma idéia do espírito geral da correspondência: “Esse artigo é tudo de bom!”, “Obrigada!”, “O absurdo das griffes”, “Sen-sa-ci-o-nal!”, “Maravilha!”, “A bolsa dos gritantes contrastes e absurdos”, “Bolsas e bobagens”, “Enfim a verdade!”, “Que show!”, “É isso mesmo!!!”, “Maravilhoso do início ao fim!!!”, “Arrasou...” , “Lavou minha alma!”.

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Em resumo: havia mais gente, além de mim, com a tal bolsa entalada na garganta! Das 118 pessoas, 107 concordaram inteira e entusiasticamente comigo, o que me deu enorme alegria. Não só porque, como todo mundo, prefiro elogios a críticas, mas, sobretudo, por ver que tanta gente está atenta ao problema do consumismo patológico.

Um amigo querido discordou gentilmente, e me mandou uma carta maravilhosa sobre produtos de luxo; duas pessoas concordam com o que eu disse, mas não exatamente com a minha forma de dizê-lo; e oito me descascaram com gosto.

Eu adoraria publicar todas as mensagens aqui. Muitas têm sugestões interessantes e pontos de vista engraçados — mas, infelizmente, o espaço é pequeno. Assim, destaco apenas trechos dos que escreveram contra o que eu disse. Vamos ouvir o outro lado:

“Com relação à bolsa temos o mesmo discurso, que a senhora e vários outros defensores dos ideais politicamente corretos sustentam como real causa de uma série de problemas, que, analisando-os racionalmente, não têm nada a ver com o que dizem, nesse caso, a senhora se parece com qualquer moralista religioso, colocando para baixo do tapete a complexidade da questão e apelando para um discurso maniqueísta.” — diz o Carlos Perlini. — “Imagino que a explicação para essa atitude deve-se a uma necessidade de se sentir puro e bom numa sociedade corrompida por esses valores egoístas que são a causa de todos os nossos problemas. Vivemos no capitalismo usufruindo suas benesses, mas não temos nada a ver com o que de ruim acontece, nossos valores são outros!”

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“Eu li a reportagem no Ela de sábado passado. A reportagem enojou-me, mas por motivos distintos — e, sem querer soar arrogante, ao menos pertinentes, como tentarei explicar” — escreveu o Pedro N. Araújo, lá no blog. -— “De minha parte, recuso-me terminantemente a usar produtos falsificados. O fato é que nós, brasileiros, estamos contribuindo para estragar uma marca, no caso a centenária Louis Vuitton. Ao invés de atacar o problema — uma marca centenária sendo vilipendiada por piratas internacionais sustentados por pessoas que simplesmente não têm condições de comprar uma original e, portanto, mimetizam-na —- a colunista prefere expor um ódio cru à sua própria incapacidade de possuir uma, destilando um recalque ímpar. Para não expor tão mesquinhos sentimentos, prefere tentar aplicar um verniz esquerdista à coisa, com toda a cantilena de situação do país, resgate da dívida social e que tais, ciente de sua cumplicidade pelos leitores.”

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Luiz von Paumgartten, que acha que eu tenho opiniões “muito pessoais” (aspas dele) desde os tempos em que defendia o DOS (uma velha questão informática), observa: “Seu artigo sobre a bolsa da novela é a síntese da desinformação sobre “propriedade”. É o que leva o nosso povo ao desestímulo a atividades criativas, base das sociedades modernas evoluídas. Por essa concepção é que ninguém cria nada aqui, vem tudo pronto de fora.”

Já Jorge Ribeiro acha que “O sentido geral do texto revela um grande preconceito ideológico contra os indivíduos bem-sucedidos. Suas frases “...no fogo do inferno, que se alimenta basicamente na fogueira das vaidades burguesas” e “Não há, numa bolsa, material ou qualidade de trabalho que justifiquem um preço desses” transbordam marxismo que, como se sabe, é muito menos inteligente que pagar R$ 3.500 por qualquer bolsa, porque o marxismo é uma teoria toda baseada em meias verdades e sofismas. (....) A melhor lei da economia, que os burocratas estatais insistem em sempre desrespeitar, é a lei da oferta e da procura... (....) Portanto, relaxe! Um pouquinho de vaidade burguesa não é pecado (a senhora mesmo admite que gosta de luxo, como afirmou Joãosinho Trinta). A senhora é perfeitamente normal. Apenas aprendeu na cartilha errada e formatou seu pensamento num sistema lógico equivocado, o que estreita o raciocínio.”

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Ah, sim. A Vuitton também não gostou. Vide Cartas dos Leitores.

(O Globo, Segundo Caderno, 20.11.2003)

Update: Eis a carta da Vuitton, que não está mais na página do jornal.
A Louis Vuitton do Brasil, ciente do artigo da jornalista Cora Rónai publicado em 13/11, lamenta o conteúdo do texto. O grupo LVMH -- Louis Vuitton Moët-Hennesy -- está investindo R$ 9 milhões na cidade do Rio de Janeiro com a construção de uma nova loja na Rua Garcia D’Ávila, em Ipanema.

A partir dessa obra, 150 empregos indiretos foram gerados. A Louis Vuitton, marca francesa, fundada em 1854, abriu sua primeira loja no Brasil há 15 anos, tendo sido sua primeira loja carioca aberta em 1990.

A Louis Vuitton sempre teve uma postura pró-ativa com a imprensa, em total sinergia e transparência com todas as mídias. Manifestamos nosso profundo desagrado com o artigo, que cita de forma agressiva e preconceituosa um nome sinônimo mundial de tradição e qualidade.

Marcelo Noschese, Diretor

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