23.10.09

Velha Delhi

Os planos de me deitar para ler à sombra do pipal do jardim ficam cada vez mais distantes. Hoje foi um dia movimentadíssimo, que começou numa loja de roupas onde eu queria comprar absolutamente tudo, e terminou numa festa de casamento animada por sucessos de Bollywood e música brasileira; entre uma ponta e outra, passei por Old Delhi, pelo Chandni Chowk e pelo Forte Vermelho, uma das grandes atrações turísticas da cidade.

Roupas

Todos os guias e sites de dicas de viagem que li foram enfáticos: não traga roupa para a Índia, porque o que há de coisa bonita para se comprar por aqui não está escrito. Não tive coragem para ser tão radical, mas é a mais pura verdade.

Quando vocês vierem à Índia, não tragam roupa.

Mesmo.

Fui ao mercado da esquina com a Margarida e, pelo equivalente a 150 reais, comprei meia dúzia de túnicas de algodão, uma mais bonita e confortável do que a outra. E isso, vejam bem, que fomos a uma loja relativamente cara, a Anokhi, que tem uns designs transados e umas estampas exclusivas, e é, junto com a Fabindia, a favorita de dez entre dez estrangeiras descoladas.

Old Delhi

A velha Delhi, uma espécie de Saara elevada ao cubo com dez vezes mais gente e cem vezes mais confusão, é dos lugares mais interessantes e divertidos que já vi.

As ruas são caóticas, o trânsito é enlouquecedor, o barulho das buzinas é incessante.

Para onde quer que se olhe há gente, gente e mais gente – e quase toda essa gente encontra-se empenhada em comerciar. Compra-se e vende-se de tudo, do paan arrumado em bandejinhas no chão a jóias trabalhadíssimas, não raro no mesmo metro quadrado.

Muitas lojas (sobretudo, ao que observei, alfaiatarias) são o espaço exato de um colchão grande, onde vendedores e fregueses se largam no chão. Os sapatos, claro, ficam na porta.

Na época dos imperadores mogóis, esta era uma área residencial rica e sofisticada, povoada por havelis, mansões palacianas que, com freqüência, ocupavam quarteirões inteiros.

Bastante castigada na época do motim de 1857, a velha Delhi acabou de vez com a Partição, em 1947, já que seus habitantes, muçulmanos refinados, foram para o Paquistão, enquanto os hindus do Punjab, expulsos das suas terras, se ajeitavam como podiam na capital.

As havelis foram divididas e subdivididas, cortadas e recortadas.

É difícil perceber, na confusão de lojinhas acanhadas, os restos do passado grandioso; mas eles estão lá, num portão de mármore rendilhado, no acabamento de um antigo terraço, num detalhe inesperado que pega o olho e dá um aperto no coração.

Não há mais como imaginar o que teria sido aquilo.

Multidão

Há menos gente circulando por Chandni Chowk, a principal rua da velha Delhi, do que em alguns lugares que visitei na China, onde há mão e contramão de pedestres. A multidão indiana, porém, é bem mais confusa.

Os chineses, Pequeno Gafanhoto, são como um rio que flui; os indianos são como uma onda que quebra.

Ainda assim, é estranho: andando distraída como ando, fotografando pra cá e pra lá, não levei esbarrões.

A onda, Pequeno Gafanhoto, é fluida, e contorna os caramujos da areia.

Pobreza

Engana-se quem vê pobreza na sujeira e na desorganização de Chandni Chowk. A área não é rica, claro está, no sentido Rodeo Drive da palavra; mas é rica num sentido de abundância e de vida, como é rica a nossa Saara.

Dinheiro e mercadorias mudam de mãos sem parar, vende-se comida muito tentadora por todos os cantos e, por todos os cantos, há gente comendo: fatias de abacaxi, pedaços de pepino cru com um molho que não tive coragem de investigar, bolinhos de batata parecidos com acarajés, milho, castanhas do Pará, castanhas de caju (pálidas, mas muito saborosas), bolinhos fritos recheados com água, tamarindo, pimenta e batata (gol gappa: gostosos!), goiabas brancas e vermelhas, pasta de berinjela (vermelha de tanta pimenta), carambolas, batatas doces assadas, picolés de leite, amendoim, doces diversos, coco em pedaços, rotis (um tipo de pão árabe), paan, tomates e umas tantas outras coisas que não consegui identificar. Bebem-se sucos de várias frutas, chai (chá com leite e muito açúcar) e limonada.

Se pobreza fosse o que se vê na velha Delhi, o mundo não teria problemas; infelizmente, a gente sabe que o buraco é mais embaixo.

Bichos

Na velha Delhi encontrei cabras, muitos cachorros de rua (magrinhos, mas bem tratados pelas pessoas – vi dois sendo alimentados), um burrico aparentemente desacompanhado no meio trânsito, cavalos.

E os pássaros, sempre.

No Forte Vermelho, onde chegamos ao pôr-do-sol, mais pássaros: maritacas, pombos, gaviões, pegas, andorinhas, urubus... Todos falando ao mesmo tempo, e fazendo o barulho mais bonito de se ouvir.

Nunca vi tantos pássaros numa cidade grande e, sobretudo, nunca vi pássaros tão mansos. Os bichos todos que encontrei, por sinal, não demonstraram ter qualquer medo de gente.

Vaca só vi uma, já ao anoitecer, e numa área pouco movimentada, andando entre os carros; achei lindo demais.

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