6.12.07

Essa vocês aqui do blog podem pular: já leram há tempos...



Diários da motocicleta III

Em que a cronista raspa o tacho do blog e promete não tocar mais nesse assunto



2.12.07 Desculpem a falta de mais posts escritos. Sei que acompanhar um blog de fotos de gatos e de vistas da janela não é exatamente o que há de mais divertido, e agradeço a todos a lealdade da freqüência.

O problema é que, em mim, um dos efeitos colaterais do joelho quebrado está sendo a falta de assunto. Não sei explicar por quê: já estou novamente cercada de livros e voltei a ler os jornais.

O diabo é que uma coisa é tomar conhecimento de um acontecimento, outra é ter cabeça, e sobretudo coração, para escrever a seu respeito. É possível que a dor, já bastante suportável mas sempre contínua, associada ao fato de ficar imóvel e trancada em casa por tanto tempo, tenha me deixado algo apática.

Nada me toca suficientemente para despertar paixão e vontade de pôr por escrito entusiasmo, tristeza, indignação; essa mediocridade de sentimentos é, com certeza, a sensação mais esquisita de todas as sensações esquisitas que venho experimentando.

Sinto asco do Renan Calheiros e nojo de todo o congresso? Com certeza. Mas para escrever preciso sentir ASCO e NOJO. Fico horrorizada com tudo isso que aí está? Claro que sim... mas como exprimir o horror em caixa baixa?!

A gente só pode fingir que é dor a dor que deveras sente.

Na outra encarnação eu era uma criatura explosiva, apesar do exterior aparentemente inofensivo. A emoção que devia estar à flor da pele estava, pelo visto, à flor dos ossos: só isso explica que uma porcaria de joelho partido consiga me deixar tão impermeável ao mundo lá fora.

Entendam, por favor, que isso não é nem queixa nem baixo astral. É apenas a análise de um fenômeno bizarro que está acontecendo comigo, e que estou pondo por escrito para, justamente, tentar compreender melhor.

Espero que a minha capacidade de indignação e a minha alegria voltem, intactas, assim que eu retomar a vida normal, e que o meu joelho deixar de ser o centro do universo.

Afinal, como todos sabem, o centro do universo fica no umbigo.


30.10.07 -- Podia ter sido MUITO pior. Morrer na hora nem é o pior que imagino. Eu não teria tido consciência do fato; a verdade é que quando comecei a entender o que havia acontecido já estava no chão, pessoas acudiam, etc. Há uma longa galeria de horrores. Nem preciso ir muito longe. Eu podia ter quebrado um braço também.

-- Tenho uma família fantástica e uma quantidade de amigos leais, engraçados, prestativos. Família a gente não escolhe; tirei a sorte grande nessa loteria. Mas meus amigos são o máximo. O que faz quem passa por isso e tem que se virar sozinho?! Não consigo imaginar, realmente não.

-- Tenho um blog super bem freqüentado. Vocês não imaginam a diferença que faz entrar aqui e encontrar tantos comentários bacanas desejando saúde, contando coisas, mandando links! Tantos amigos que eu não conheço em pessoa e de quem gosto tanto, de quem tanto recebo.

-- Tenho a vista mais linda do mundo. Passo o dia imóvel, mas vendo as mudanças do céu e da luz na Lagoa; uma benção que nunca me esqueço de agradecer, mas que nas atuais circunstâncias é inestimável.

-- Tenho uma Famiglia Gatto que cerra fileiras à minha volta, me protege, me anima, me diverte. Como se cura alguém sem bicho por perto?! Taí um mistério incompreensível. Desde que voltei para casa, os gatos não desgrudam. Ficam deitados ao meu lado ou em cima de mim, atentos ao menor movimento. Brincam. Fazem bobagens. E, incrível, tomam o maior cuidado com a minha perna.

-- Estou naquela ínfima porcentagem de brasileiros que pode se dar ao luxo de ir para um bom hospital. Pensei nisso mil vezes enquanto estava no Copa d'Or; penso nisso sempre que uma das enfermeiras que me assiste faz um curativo, sempre que a fisioterapeuta vem me ver. Imagino o desespero de passar por uma dor dessas numa fila de hospital público, de atravessar um pós-operatório tão dolorido e exasperante sem um mínimo de dignidade e conforto.

28.11.07 O Tom me falou de um guarda-chuva revolucionário, que avisa ao usuário se vai chover. Pois eu, que em geral quero imediatamente toda e qualquer novidade hi-tech, dessa vez estou dando de ombros. Ou, melhor: de joelhos.

Quem precisa de guarda-chuva esperto quando tem joelho bichado? Os parafusos e placas implantados na minha pata doente avisam, com um dia de antecedência, quando vai chover.

E pensar que, antigamente, eu achava que essa história de ossos metereologistas era lenda urbana.

4.12.07 O estádio da Bahia vai ser demolido; a cadeia do Pará também.
E em relação ao Senado Federal, ninguém vai fazer nada?!


(O Globo, Segundo Caderno, 6.12.2007)

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