15.1.07

Apostas do ano

CES 2007 aponta as tendências do mercado


Quinta-feira à tarde, no South Hall do Las Vegas Convention Center: por onde se olhe, há expositores desmontando estandes e empacotando produtos. Na HP, a confusão é tão grande que toda a área foi cercada com uma fita listrada, semelhante àquela que se usa para isolar cenas de crime, enquanto funcionários desconectam computadores e impressoras. Lá na frente, num dos minúsculos estandes de gadgets, dois coreanos tiram capas para celulares de suas embalagens de plástico e as jogam, peladas, num caixote de papelão. Aqui e ali um visitante ainda atravessa os salões gigantescos, arrastando sacolas de papel: se não fosse pela hora, seria uma verdadeira noite dos mortos vivos. A quadragésima CES (Consumer Electronics Show) dá seus últimos suspiros, enquanto as 140 mil pessoas que se inscreveram para a maior feira de eletro-eletrônicos do mundo dão graças a Deus e antevêem, ansiosamente, a volta à normalidade.

Não me entendam mal. Para quem gosta de gadgets e de tecnologia, a CES, que nasceu como uma exposição de utilidades domésticas, é um paraíso ? mas um paraíso que cobra cada surpresa e cada descoberta em dores nas costas, refeições impossíveis, tendinite, noites mal dormidas, bolhas nos pés. A quantidade de coisas para ver, aliada à plena consciência de que será impossível vê-las todas, gera um estado de terrível ansiedade, amplificado pelas peculiaridades de uma cidade onde é sempre noite nos cassinos, e sempre dia nos shoppings de luxo, com seus céus artificiais de fim de tarde.

No quarto do hotel, uma extravagância veneziana com gôndolas, Palácio Ducal, Campanile e Torre dell?Orologio, exausta, perdida entre a papelada que acumulei ao longo da semana, tento, em vão, descobrir algum fio condutor para a matéria ? até me dar conta do contra-senso a que me proponho. Afinal, uma das tendências mais marcantes da CES 2007 foi a luta contra os fios. A comunicação wireless entre aparelhos não é mais luxo, é necessidade. Em 1967, quando a primeira CES foi ao ar, a média de produtos eletrônicos do típico lar americano era de 1.3; a única tomada da cozinha dava e sobrava para o gasto. Hoje este mesmo lar tem, em média, 26 aparelhos. Haja fio, haja paciência.

A indústria está atenta. Sabe que o nível de tolerância do público está sendo severamente testado ? e toma providências. A julgar pelo que foi apresentado aqui em Las Vegas, em breve todos os aparelhos que nos cercam estarão se comunicando entre si. Como lembrou Ed Zander, CEO da Motorola, não se trata mais de vender um produto, e sim uma experiência. Ele não disse, mas eu acrescento: uma experiência positiva. Todos nós já vivemos suficientes experiências traumáticas com aparelhos que não conseguimos usar.

Isso aponta outra tendência: aparelhos que, paradoxalmente, tornam-se mais simples de usar à medida em que se tornam mais sofisticados tecnologicamente. Há alguns anos, a profusão de comandos e de botões era a marca registrada dos eletrônicos de luxo; hoje é exatamente o contrário. Ninguém quer mais quebrar a cabeça, seja para usar um simples controle remoto, seja para interligar todos os elementos de um home theater.

Ao mesmo tempo, os consumidores estão mais atentos aos efeitos colaterais dos seus brinquedos, mais preocupados com o gasto de energia e com o meio ambiente. Isso explica porque tantas empresas apresentaram soluções ecologicamente corretas, de pilhas recarregáveis praticamente eternas a produtos menos poluentes e mais recicláveis.

O estado da arte em pilhas e baterias, que não chega a ser um tema glamuroso, é, no entanto, a base do estilo de vida mais ressaltado na CES 2007: mobilidade total. O já mencionado Ed Zander causou sensação ao entrar no palco para seu discurso de abertura pedalando uma vistosa bicicleta amarela. Mais tarde, explicou o por quê daquilo. Com um dínamo acoplado a roda e um carregador preso à barra do volante, a bicicleta, ainda em protótipo, permite ao usuário recarregar seu celular enquanto pedala por aí. Olhando pelo ângulo Zona Sul da coisa, parece bobagem; mas pensem em mercados como China e Índia, onde milhões de pessoas deslocam-se de bicicleta e não têm necessariamente uma tomada ao alcance 24 horas por dia, e a bicicleta de Mr. Zander muda de figura, não?

A meu ver, ela foi a solução mais engenhosa de recarga da CES; mas incontáveis outras foram apresentadas, de recarregadores descartáveis para um fôlego extra às baterias dos celulares a um incrível sistema que recarrega pequenos aparelhos através de ondas de rádio.

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De toda a vasta gama de produtos exibidos aqui, poucos se sobressaíram tanto quanto os telefones e as gigantescas telas de plasma, que atraíam os passantes como ímãs. Também, convenhamos: fica difícil ignorar uma tela de alta definição de 108?. Os telefones a que me refiro não são apenas celulares, mas também telefones sem fio. O que eles têm de tão diferente dos que temos em casa é a possibilidade de fazer ligações através do Skype. Alguns ainda precisam de um computador por trás, mas os mais divertidos partiram para a carreira solo. Aliás, falar do Skype pelo computador é um incômodo que está com os dias contados, até porque é chato mesmo ? mas eis que entram os fabricantes de telefones domésticos e de celulares, e salvam o dia.

Acessórios para iPods e players de diversos modelos também foram destaque ? a tal ponto que acabaram indo parar na AVN Adult Entertainment Expo, a grande feira da indústria pornô que começa quando a CES termina. Lá, um pequeno estande chamava a atenção por exibir só um produto, o OhMiBod, vibrador que, conectado a um iPod, trabalha no ritmo da música.

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Destaques:

  • Backup Pal: do tamanho de um pó compacto, não só faz backup dos dados do celular a um simples toque de botão como, ainda por cima, permite a transferência desses dados para modelos de outras marcas. O dispositivo dos sonhos de quem tem celular mas não tem computador (ou paciência para conectar os dois).

  • Adaptadores da Kingston: permitem aproveitar cartões micro SD em aparelhos que usam mini SD, MMC ou SD.

  • Loc8tor: sistema formado por um controle remoto e pequenas etiquetas eletrônicas que sinalizam sua presença a até 180 metros de distância; ideal para quem vive perdendo as chaves do carro.

  • Memória flash: a febre do momento. A quantidade de pendrives e soluções em flash é imensa. Alguns, como o da Sony, chegam a 8Gb. E a Sandisk mostrou um substituto de HD para notebooks, com 32Gb, que é absurdamente mais rápido do que um disco rígido tradicional.

  • Depois dos celulares coloridos, chegou a vez das câmeras: a indústria descobriu o seu lado mulherzinha e está fazendo coisas lindas. A Kodak tem toda uma linha de bolsas e acessórios fashion.

  • Parece que, dessa vez, as molduras digitais desencantam. O mercado prevê a venda de 12 milhões de unidades até o fim do ano. Algumas são Bluetooth, o que significa que se podem passar fotos direto de câmeras ou celulares para elas; outras aceitam diversos tipos de cartões de memória.

  • Conexão direta entre câmeras e TVs de plasma ou LCD.

  • Headphones pequenos, de todas as marcas, cores e tipos. Do topo-de-linha da Shure (a quase US$ 500!) aos modelitos coloridos e baratinhos da Maxell.

  • Recarregador Motorola para celulares e dispositivos com saída mini-USB. Duas cargas completas de Razr num objeto pequeno e muito simpático.

  • Yahoo2go!, uma solução muito elegante de navegação para aparelhos móveis.

  • Nokia N800, um celular em forma de tablet que não se conecta a operadoras, mas apenas à Internet, em wi-fi. Perfeito para Skype.

  • Blu-Ray ou HD DVD? Ninguém precisa mais se preocupar com isso. A LG lançou o LG BH100, player que roda os dois formatos lindamente.

  • Máquinas de escrever Olivetti Lettera. Sim! Ainda são fabricadas, exibidas na CES e, segundo me disseram, compradas por muita gente. Eu as descobri na xepa e, embora não se possam vender aparelhos individualmente na feira, me foram oferecidas por US$ 10: o expositor estava fazendo qualquer negócio para se livrar da carga. Se o teclado não fosse espanhol, teria pensado seriamente no caso. É fácil desprezar as coitadinhas agora que o computador praticamente se universalizou, mas com o marketing certo podiam ir longe: "Processadores de texto ecologicamente corretos, que dispensam energia e ajudam a evitar a LER!"


    (O Globo, Info etc., 15.1.2007)
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