Quinta-feira à tarde, no South Hall do Las Vegas Convention Center: por onde se olhe, há expositores desmontando estandes e empacotando produtos. Na HP, a confusão é tão grande que toda a área foi cercada com uma fita listrada, semelhante àquela que se usa para isolar cenas de crime, enquanto funcionários desconectam computadores e impressoras. Lá na frente, num dos minúsculos estandes de gadgets, dois coreanos tiram capas para celulares de suas embalagens de plástico e as jogam, peladas, num caixote de papelão. Aqui e ali um visitante ainda atravessa os salões gigantescos, arrastando sacolas de papel: se não fosse pela hora, seria uma verdadeira noite dos mortos vivos. A quadragésima CES (Consumer Electronics Show) dá seus últimos suspiros, enquanto as 140 mil pessoas que se inscreveram para a maior feira de eletro-eletrônicos do mundo dão graças a Deus e antevêem, ansiosamente, a volta à normalidade.
Não me entendam mal. Para quem gosta de gadgets e de tecnologia, a CES, que nasceu como uma exposição de utilidades domésticas, é um paraíso ? mas um paraíso que cobra cada surpresa e cada descoberta em dores nas costas, refeições impossíveis, tendinite, noites mal dormidas, bolhas nos pés. A quantidade de coisas para ver, aliada à plena consciência de que será impossível vê-las todas, gera um estado de terrível ansiedade, amplificado pelas peculiaridades de uma cidade onde é sempre noite nos cassinos, e sempre dia nos shoppings de luxo, com seus céus artificiais de fim de tarde.
No quarto do hotel, uma extravagância veneziana com gôndolas, Palácio Ducal, Campanile e Torre dell?Orologio, exausta, perdida entre a papelada que acumulei ao longo da semana, tento, em vão, descobrir algum fio condutor para a matéria ? até me dar conta do contra-senso a que me proponho. Afinal, uma das tendências mais marcantes da CES 2007 foi a luta contra os fios. A comunicação wireless entre aparelhos não é mais luxo, é necessidade. Em 1967, quando a primeira CES foi ao ar, a média de produtos eletrônicos do típico lar americano era de 1.3; a única tomada da cozinha dava e sobrava para o gasto. Hoje este mesmo lar tem, em média, 26 aparelhos. Haja fio, haja paciência.
A indústria está atenta. Sabe que o nível de tolerância do público está sendo severamente testado ? e toma providências. A julgar pelo que foi apresentado aqui em Las Vegas, em breve todos os aparelhos que nos cercam estarão se comunicando entre si. Como lembrou Ed Zander, CEO da Motorola, não se trata mais de vender um produto, e sim uma experiência. Ele não disse, mas eu acrescento: uma experiência positiva. Todos nós já vivemos suficientes experiências traumáticas com aparelhos que não conseguimos usar.
Isso aponta outra tendência: aparelhos que, paradoxalmente, tornam-se mais simples de usar à medida em que se tornam mais sofisticados tecnologicamente. Há alguns anos, a profusão de comandos e de botões era a marca registrada dos eletrônicos de luxo; hoje é exatamente o contrário. Ninguém quer mais quebrar a cabeça, seja para usar um simples controle remoto, seja para interligar todos os elementos de um home theater.
Ao mesmo tempo, os consumidores estão mais atentos aos efeitos colaterais dos seus brinquedos, mais preocupados com o gasto de energia e com o meio ambiente. Isso explica porque tantas empresas apresentaram soluções ecologicamente corretas, de pilhas recarregáveis praticamente eternas a produtos menos poluentes e mais recicláveis.
O estado da arte em pilhas e baterias, que não chega a ser um tema glamuroso, é, no entanto, a base do estilo de vida mais ressaltado na CES 2007: mobilidade total. O já mencionado Ed Zander causou sensação ao entrar no palco para seu discurso de abertura pedalando uma vistosa bicicleta amarela. Mais tarde, explicou o por quê daquilo. Com um dínamo acoplado a roda e um carregador preso à barra do volante, a bicicleta, ainda em protótipo, permite ao usuário recarregar seu celular enquanto pedala por aí. Olhando pelo ângulo Zona Sul da coisa, parece bobagem; mas pensem em mercados como China e Índia, onde milhões de pessoas deslocam-se de bicicleta e não têm necessariamente uma tomada ao alcance 24 horas por dia, e a bicicleta de Mr. Zander muda de figura, não?
A meu ver, ela foi a solução mais engenhosa de recarga da CES; mas incontáveis outras foram apresentadas, de recarregadores descartáveis para um fôlego extra às baterias dos celulares a um incrível sistema que recarrega pequenos aparelhos através de ondas de rádio.
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De toda a vasta gama de produtos exibidos aqui, poucos se sobressaíram tanto quanto os telefones e as gigantescas telas de plasma, que atraíam os passantes como ímãs. Também, convenhamos: fica difícil ignorar uma tela de alta definição de 108?. Os telefones a que me refiro não são apenas celulares, mas também telefones sem fio. O que eles têm de tão diferente dos que temos em casa é a possibilidade de fazer ligações através do Skype. Alguns ainda precisam de um computador por trás, mas os mais divertidos partiram para a carreira solo. Aliás, falar do Skype pelo computador é um incômodo que está com os dias contados, até porque é chato mesmo ? mas eis que entram os fabricantes de telefones domésticos e de celulares, e salvam o dia.Acessórios para iPods e players de diversos modelos também foram destaque ? a tal ponto que acabaram indo parar na AVN Adult Entertainment Expo, a grande feira da indústria pornô que começa quando a CES termina. Lá, um pequeno estande chamava a atenção por exibir só um produto, o OhMiBod, vibrador que, conectado a um iPod, trabalha no ritmo da música.
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Destaques:(O Globo, Info etc., 15.1.2007)
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