29.2.04




Aos amigos, tudo:
o jeito Chico de ser

No tempo em que ele ainda era tímido, ou melhor: no tempo em que a gente ainda acreditava que ele era tímido, foi aí que conheci Chico Caruso. Saíamos para almoçar — nossa turma almoça junta desde princípios dos anos 80 — e ele lá, quietinho, mais calado do que o Veríssimo.

A diferença é que o Chico não parava de desenhar. Até hoje, mais de 1187 almoços depois (e sabe-se lá quantos jantares e festejos diversos), ainda encontra suficiente interesse nos velhos companheiros para pedir o bloquinho de comandas do garçom e registrar o que vê — com tal precisão que, espantosamente, acabamos todos muito mais parecidos com esses pequenos desenhos do que com nossas fotografias.

Tenho a impressão de que, para o Chico, fazer caricatura é uma etapa fundamental no conhecimento dos outros. É engraçado observar como fica contente quando chega a algum lugar novo, com pessoas desconhecidas. Já não é tão calado como antigamente, e não há como ver nele o antigo tímido — mas o impulso irresistível de desenhar continua o mesmo. Logo está com papel e lápis na mão, imortalizando, para as paredes dos amigos, a essência visual e psicológica do ambiente.

Chico adora gente. Não daquela maneira abstrata e hipócrita que tantas vezes se vê em quem diz que ama a humanidade, mas de maneira intensa e sincera, pessoa a pessoa, corpo a corpo. Tenho a maior admiração pela sua capacidade de se aproximar e de manter diálogos genuinamente interessados com qualquer forma de vida humana, de flanelinhas e bêbados desconexos a luminares da república — e de, tantas e tantas vezes, conseguir preservar esses laços pela vida afora, cultivando as amizades com carinho e empenho.

O mais curioso é que, quando ele gosta de alguém, não existem barreiras para a comunicação. Volta e meia aparece com algum desenhista estrangeiro a tiracolo; ainda que o sujeito não fale uma só palavra de português ou de qualquer idioma remotamente conhecido, lá está o Chico levando-o a festas, shows e botequins, na maior camaradagem, muito satisfeito por ter encontrado mais um bípede que, pelo caminho, consegue transformar num ser divertido.

Para sua sorte, encontrou também a Eliana, que tem a mesma generosa — e enérgica — dedicação aos amigos, o mesmo pique. No fim da noite, quando todo mundo já está desabando, os dois partem, intrépidos, para mais uma esticada, como se ainda houvesse onde esticar. Chico não seria menos genial sem a Eliana, mas provavelmente não seria tão carioca. Morena do Irajá, com 1m76 de exuberância, ela é, para mim, o exemplo mais perfeito de que, por trás de todo grande homem, há uma grande mulher. Até literalmente.

(O Globo, Especial Chico Caruso, 29.2.2004)

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