5.6.03



Hoje, com a palavra, os leitores

A coluna da semana passada deu muito trabalho... aos leitores! Nada do que escrevi até hoje rendeu tanto pano para as mangas quanto confessar que, como cidadã de classe média, temente a Deus e ao fisco, não agüento mais ser considerada culpada por tudo isso que aí está. Entre comentários no blog e e-mails enviados à redação, cerca de 150 pessoas se manifestaram — algumas indignadas comigo e com o que consideraram uma visão alienada da vida; outras (para minha surpresa, vasta maioria) elogiando, dando força e, de modo geral, concordando com o que eu disse. Ainda que não possa escrever para cada um, individualmente, agradeço muito, mesmo, a todos os que participaram da “conversa”.

* * *

“Claro que a imprensa não é culpada mas que ela dá um charme à coisa lá isso dá”, escreveu Álvaro Veiga. “Minha sugestão não é omitir nada, mas apenas tratar os bandidos pelo nome que consta na carteira de identidade. Isso vai baixar muito a bola deles nas comunidades e atrair menos jovens que apostam no crime não apenas para ganhar dinheiro, mas para também para ganhar prestígio e, se você me perdoa a crueza do linguajar, traçar a gatinha da esquina.”

“Botar na primeira página de um jornal de circulação nacional uma viatura levando uns trocados de uns mauricinhos numa blitz é marcação com a polícia”, queixou-se Ricardo Perez. “A polícia está tão desacreditada que, se um tiroteio num morro acerta um inocente, a princípio a bala é dela.”

“Eu ando com meu carro velho, que não passa pela vistoria do Detran porque a pintura está feia, e a todo momento sabe o que acontece?” perguntou Ronaldo Amorim. “Blitz, com policiais pedindo uma “colaboraçãozinha”. Estou errado por andar com um carro velho? É possível. Mas estou trabalhando com este carro, e não tirando rachas com o carro do papai. Empregos? Faltam. Oportunidades? Idem. Trabalho? Tem sim, eu trabalho como camelô e me orgulho de trabalhar e não de traficar ou roubar, mas é dificil. Estampem nas primeiras páginas os bandidos que deveriam ser mocinhos! Polícia corrupta! Fiscais corruptos! Pau neles. Bandidinhos de tráfico e afins, deixem para um caderno mais no meio do jornal.”

“Eu voto e, vitoriosa ou não a minha vontade política, os eleitos em todos os níveis têm obrigação de fazer aquilo para o que se propuseram”, disse Willian Aquino. “Optaram por ser políticos por entenderem ser essa a sua forma de atuar. Pois então que atuem. Afinal recebem o seu salário, têm as suas regalias, têm os seus momentos de glória e satisfação. Aqueles em cargos que têm a responsabilidade de agir, que o façam, pois foi o que desejaram. E me cobrem pelas minhas obrigações. E me punam por aquelas que eu não cumprir. Mas que cumpram as suas obrigações. E que sejam cobrados de forma mais rígida e permanente que apenas nas eleições.”

“Seu artigo soltou o grito preso na garganta de muitos que pensam da mesma forma”, desabafa Vera França. “Sou médica desde 1972 e neste tempo todo trabalhei diariamente para os menos abonados, na Santa Casa de Misericórdia, em hospitais públicos e como voluntária em favelas. No início pensei em ser psicanalista, porém naquele momento considerei que atingiria uma faixa limitada da população. Assim me tornei gastroenterologista; não mereço e também não agüento mais ser diariamente acusada de uma culpa que o governo não assume.”

“Tenho apenas 23 anos e já vi jovens com a minha idade dizendo que “com a ditadura não era assim” ou “se os militares voltarem, a violência acaba”, alerta Rafael Rodrigues. “Eu quero ver o Beira-mar na capa da “Veja”, da “Época”, da “Isto É” e do diabo que seja. Eu quero ter o direito de saber, de ser informado e de discordar. O que essa gente não sabe é que tudo de ruim que a humanidade faz começa sempre, sempre, com o cerceamento à informação. Está aí o Bush que não me deixa mentir.”

“Quando você for assaltado, comente com todos que faltou papel no fax do escritório”, sugeriu o Paulo Arthur. “Quando colocarem uma arma na sua cabeça e levarem seu carro, diga que seu dia foi maravilhoso. Não conte nada a ninguém. Não vamos dar divulgação a bandido. Vamos calar a única voz que temos para protestar? Nós só temos a imprensa! As otoridade estão pouco se lixando para o tiro que entrou pela sua janela. Compre uma placa de aço e coloque no lugar do vidro — Ipanema tem isso. Compre um carro blindado — é a última moda. Vá ao shopping de colete e capacete — é fashion. Bote grade na portaria e contrate os policiais que ganham uma merreca para fazer um bico de segurança. Compre uma bicicleta para dar uma volta — só uma — e volte para casa a pé, fazendo cooper — biatleta é quase tri. Que luxo. Mas lembre-se. A culpa é sua! Todo cidadão brasileiro tem o dever de subir o morro desarmado, enfiar-se no meio de uma guerra e prestar assistência social.”

Para quem quiser ler outras cartas, criei um pequeno blog em leitores.blogger.com.br.

(O Globo, Segundo Caderno, 5.6.2003)

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