12.6.03



Alô, Farj: quem é o imbecil nessa história?!

Nadar contra a corrente do preconceito nem sempre é fácil para os masters cariocas


"Eu me recuso a responder o e-mail deste velho f.d.p. Se o fizer eu vou mandar ele tomar no c. Ele é um imbecil muito grande e não sabe que valem (....) os melhores tempos obtidos pelos nadadores, nos últimos 12 meses e não últimos dois anos, até porque nadador normal é jovem e dois anos pode não ser muito para quem já dobrou o cabo da boa esperança, mas para ele que deve estar mais pra lá do que pra cá eu não sei... Quanto ao local do último Cariocão 2002, ao que me consta o Parque Aquático Julio De Lamare é o melhor parque aquático que aqui existe e custa muito caro para nós da Farj realizar lá qualquer competição. Alias eu vou sugerir que não se realizem mais competições destes velhos imbecis lá, pois esta classe de frustrados não deve nadar nem sujar aquela água com a urina de que tem câncer na próstata.”

Vocês desculpem os erros, o estilo e os palavrões. Não são meus. Este é o linguajar que as autoridades esportivas do estado usam para trocar mensagens entre si. O que vocês acabam de ler é um e-mail enviado pelo assessor da presidência da Farj (Federação Aquática do Rio de Janeiro), senhor Michael R. Karfunkelstein, para o senhor Carlos Roberto Silva, o Carlão, diretor master da mesma entidade.

E como é que essa pérola da estupidez humana veio parar nas minhas mãos? Simples: minha mãe, Nora, de 79 anos, é nadadora master. Ao contrário do que supõe o senhor Karfunkelstein, ela não é frustrada, não tem câncer na próstata nem faz pipi dentro d’água. Também ao contrário dele, leva o esporte a sério: treina com rigor espartano, nada quase dois quilômetros por dia, chova ou faça sol, e representa o Rio de Janeiro e o Brasil com grande brio. Está entre as dez melhores do mundo em diversas modalidades, e sente-se extremamente honrada em dividir a piscina com o supercampeão Luiz Felippe de Figueiredo, um dos pouquíssimos atletas brasileiros a ser duas vezes recordista mundial (nos 50m de costas). O excepcional atleta de 62 anos que o senhor Michael R. Karfunkelstein se recusa a responder.

* * *

Quando mamãe me falou pela primeira vez deste e-mail, achei que só podia ser trote. Logo imaginei algum inimigo do senhor Karfunkelstein querendo destruí-lo junto à comunidade, apresentando-o como pessoa grosseira, insensível, doentiamente preconceituosa. Com esse texto, um inimigo poderia até levá-lo à Justiça, num processo criminal por injúria e difamação.

Antes que eu me esqueça: inúmeros juízes dos tribunais superiores têm a mesma idade do Felippe, ou são até mais velhos. No Supremo, por exemplo, os ministros só se aposentam aos 70 anos.

No domingo passado, mamãe me trouxe o jornalzinho de uma associação de nadadores de São Paulo, onde o e-mail havia sido publicado na íntegra. Fiquei chocada com a perfídia do suposto inimigo do senhor Karfunkelstein, que conseguira até a publicação daquela barbaridade, e telefonei para a Dulce Senfft, coordenadora de masters do Clube de Regatas Icaraí, para saber se a Farj denunciara a trama infame. A Dulce, porém, me disse que a autoria do e-mail jamais havia sido posta em questão.

Na verdade, dirigentes da Farj chegaram a ir ao Icaraí para pedir desculpas. Disseram que aquela era apenas uma mensagem para circulação interna, que não deveria ter sido divulgada (ah, bom!) e propuseram uma retratação pública do senhor Karfunkelstein no próximo campeonato, no dia 28 junho, em Petrópolis. Enquanto isso, cópias do e-mail estão afixadas nos quadros das piscinas dos principais clubes brasileiros, e um abaixo-assinado de protesto já conta com a adesão de quase 400 nadadores.

Quer dizer: o senhor Michael R. Karfunkelstein não precisa de inimigos.

* * *

Ainda assim, três coisas me intrigavam. O que havia dito o Luiz Felippe de tão grave para suscitar tal resposta? Como ela chegara ao público? E, finalmente, o que teria o senhor Michael Karfunkelstein a dizer a respeito?

O Luiz Felippe — filho do grande Gastão Figueiredo — me encaminhou a polêmica correspondência. Seu crime foi reclamar das péssimas condições da piscina no último campeonato (a água estava 60 cm abaixo do nível oficial, impedindo a saída do nado de costas) e de erros de balizamento.

A não-resposta do senhor Karfunkelstein veio à luz quando o diretor master da Farj respondeu ao Luiz Felippe e, por descuido, se esqueceu de apagar a tal “mensagem interna”.

Quanto ao que o senhor Michael R. Karfunkelstein pensa disso tudo, não sei. Telefonei a ele, que negou ter escrito o e-mail, negou ter conhecimento dos protestos que estão nos quadros de avisos das piscinas porque “não vou a esse tipo de competição” e me disse para discutir o caso com a presidência da Farj.

Foi o que fiz. Liguei para o presidente Marcos Firmino, que garantiu que o e-mail havia, sim, sido escrito pelo seu assessor, Michael Karfunkelstein; que o dito assessor já estava redigindo uma retratação formal; e que ele, Marcos Firmino, está arrasado com o caso:

— Estou dizendo para as pessoas o seguinte: todo mundo tem um dia 11 de setembro na vida. Meu dia 11 de setembro foi o dia em que aquele e-mail foi escrito.

(O Globo, Segundo Caderno, 12.6.2003)

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