2.6.03



Barlow e o Brasil

John Perry Barlow cumpriu a promessa que fez no carnaval, e voltou ao Brasil na semana passada. Começou a viagem pelo Recife, onde ficou muito impressionado com o trabalho desenvolvido no Porto Digital e, no Rio, participou de um seminário sobre jornalismo e internet na Estácio de Sá, na Barra. Hoje, em seu último dia por aqui antes de voltar para os Estados Unidos, acompanha Gilberto Gil na inauguração da Casa de Cultura da Rocinha.

No mais, passeou pela cidade, assistiu a um embate entre a Guarda Municipal e os camelôs no Centro, ouviu muita música brasileira, reencontrou-se com amigos e curtiu as tardes de outono junto com Mai Ueda, uma japonesinha linda e simpática que usa a web em performances de arte de vanguarda (vocês podem ver pequenas amostras do seu trabalho aqui). Foi até a uma festa fashion em Ipanema — e achou divertidíssimo.

Barlow está convencido de que o Brasil é uma das sociedades mais conectadas do planeta, no sentido não-tecnológico da palavra: todo mundo se conhece, ou conhece alguém que conhece alguém que conhece o resto do pessoal — e ninguém hesita em fazer contato. Adora isso, como adora a capacidade que temos de virarmos amigos de infância em menos de cinco minutos.

Ele está evidentemente apaixonado pelo país, mas isso não o impede de perceber o que ninguém pode ignorar: do ponto de vista tecnológico, ainda temos um longo caminho a percorrer, inclusive no que diz respeito à velocidade de banda.

— Quem consegue se conectar com certa facilidade por telefone pode achar que não precisa de mais velocidade, que está bem assim, mas a questão da banda larga é mais sutil do que a simples velocidade. É todo um relacionamento com a internet, que muda drasticamente. Para começo de conversa, com a banda larga você está sempre conectado; tem alguma dúvida, lá está a máquina, viva. A rede passa a ter uma utilidade constante, real: ela está lá quando se precisa dela, e não meia hora depois.

* * *

Sob esse aspecto, a sua experiência pessoal de Brasil é sempre uma tristeza. Mesmo nos hotéis onde há banda larga, Barlow geralmente não consegue conexão. Acontece que ele é usuário de Mac, e este é um país que não está preparado para a Apple.

Culpa, aliás, da própria Apple, que, nos tempos da reserva, quando começava a se formar a primeira geração de usuários pessoais de computador, conseguiu, através de um poderoso lobby junto ao Congresso americano, detonar a Unitron, que havia feito a primeira cópia mundial de Mac, por engenharia reversa. Resultado: aqui não se criou cultura Apple.

Já contei essa história mil vezes, mas não custa repetir; acho este um dos casos mais perfeitos de falta de visão da história da informática no Brasil — na qual, convenhamos, não faltam casos do gênero.

Em relação aos Estados Unidos, Barlow está cada vez mais pessimista. A luta contra o terrorismo deu aos inimigos dos direitos civis, em geral, e da independência online, em particular, a melhor desculpa que poderiam ter para triturar a liberdade de expressão e acabar, de vez, com o que sobra da privacidade dos cidadãos.

Barlow, que previu isso assim que as torres do WTC foram abaixo, está, ainda assim, perplexo com a passividade com que os americanos têm aceitado a mão de ferro do governo e das grandes empresas.

Em parte, é daí que vem seu desencanto com os Estados Unidos e, por tabela, imagino, o seu encanto com o Brasil. Contra a violência do governo sempre se pode lutar; contra a apatia das massas, é mais difícil.

* * *

O grande sonho dourado de Barlow, neste momento, é dar um jeitinho — palavra que rapidamente aprendeu — de passar o maior tempo possível no Brasil. Morar, na verdade, ele não mora em lugar algum: como todo mundo no circuito de palestras, provavelmente vive mais em aviões e aeroportos do que em terra firme. Mas gostaria de ter um endereço no Rio, como mantém em Nova York — a idéia de que pertence ao lugar, e de que lá está em casa.

Um outro sonho dourado, mais ou menos associado ao primeiro, é pôr toda a música brasileira na rede. Ele não conhece acervo musical igual ao nosso no mundo (que conhece tão bem quanto é possível a alguém conhecer) e acha que não é justo que apenas os brasileiros tenham acesso a tal tesouro.

Sonhos, claro, sempre sonhos. Mas às vezes eles se realizam.

(O Globo, Info etc., 2.6.2003)

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