9.6.03



Baixaria brasileira

Em maio do ano passado, Cypher e Leif, dois fotógrafos nova-iorquinos, descontentes com as opções existentes para a exibição de fotos online, associaram-se a um nerd chamado Spike e criaram o Fotolog, onde se podem montar híbridos de blogs e álbuns de fotografia.

Como funciona? Simples: o usuário se registra, dá um nome para o seu fotolog, e clica num botão para subir a foto. Depois pode escrever uma legenda e avisar aos amigos, por email, que acabou de pôr uma nova imagem no ar. Essa imagem pode ser comentada pela comunidade.

Até aí, o Fotolog não é muito diferente dos demais sites de fotos que, em maior ou menor grau, permitem certa interatividade. A grande sacação é a forma de apresentar as imagens. Quando alguém entra na página de abertura do Fotolog , vê, imediatamente, as imagens mais recentes. Ao entrar no seu próprio álbum, pode ver, à direita da tela, as novas fotos dos usuários que incluiu em sua lista de amigos e favoritos. Aí, basta clicar em qualquer uma delas para ir, imediatamente, ao fotolog do amigo.

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Durante algum tempo, o sistema foi utilizado basicamente por fotógrafos, em sua maioria amadores, em busca de convívio com colegas. Os comentários sobre as fotos eram, tipicamente, palavras de estímulo, dicas, observações técnicas.

Aí, de repente, em fevereiro desse ano, o Fotolog começou a virar mania. Das 8.790 fotos publicadas no mês, o sistema pulou para 14.567 em março, 30.348 em abril, 78.323 em maio. Reportagens da revista online “Salon” (em abril) e no “New York Times” (em maio) acrescentaram fermento ao bolo.

Acontece que grupos de adolescentes haviam descoberto o potencial de comunicação do Fotolog: com uma simples foto de webcam e meia dúzia de palavras se podia dar início a uma animada conversa.

Curiosamente, assim como o fenômeno blog, o Fotolog também foi abraçado com fervor pelos brasileiros: dos 11.301 fotologgers registrados na última sexta, 2.861 eram daqui. Apenas um país tem mais usuários, os Estados Unidos, com 2.980. Num terceiro lugar muito distante está o Canadá, com 310, mas até o Laos, Vanuatu e as Malvinas têm pelo menos um fotologger.

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Cypher, Heif e Spike não estavam preparados para tanto — sobretudo financeiramente. Banda e armazenagem custam caro, e a brincadeira estava indo longe demais. Assim, na quarta-feira passada, mudaram as regras do jogo. Desde então, cada usuário só pode subir uma foto por dia, com direito a dez comentários. Para subir as seis fotos anteriormente permitidas, e ter espaço para até cem comentários, é preciso, agora, pagar US$ 5 por mês.

A mudança, perfeitamente compreensível, caiu feito uma bomba entre alguns brasileiros, em sua maioria adolescentes, que protagonizaram, nas áreas de comentários do sistema, uma das mais constrangedoras cenas de baixaria online que já vi — e olhem que não sou propriamente novata na modalidade.

Não faltou nada nesse show de preconceito, ignorância e grossura, de xingamentos e ameaças a usuários que pagaram a taxa de US$ 5 a fotos obscenas dirigidas a Cypher e Leif. No melhor (ou pior?) espírito da Lei de Gerson, nossos filhinhos-de-papai agiram como se subir quaquilhões de bobagens auto-referentes fosse direito divino, e ninguém precisasse pagar as contas de banda e servidor na outra ponta. O que seria um problema deles (e dos seus pais) virou problema de todos nós, já que cada ato de hooliganismo eletrônico vinha invariavelmente acompanhado de exaltações pseudo-patrióticas.

Os argumentos — se é que podemos chamá-los assim — foram do puramente imbecil ao abjetamente escatológico, passando por todos os matizes da intolerância. Havia comentários desejando que mais aviões se espatifassem sobre os prédios de Nova York (!) e que Osama Bin Laden voltasse a fazer ataques terroristas; um dos “revoltados” chegou a postar uma foto do atentado às torres do WTC, dizendo que eram atitudes como a dos rapazes do Fotolog que faziam o mundo odiar os EUA... Os mais educados diziam, do alto dos seus computadores e câmeras digitais, que não têm dinheiro, porque o Brasil é um país pobre onde as pessoas não têm o que comer.

Um americano que se cansou do festival de baixarias e asneiras e subiu um cartaz perguntando se no Brasil todos eram bebês chorões acabou tendo uma demonstração prática de que o mau juízo que fazia a nosso respeito era plenamente justificado: na sua área de comentários há mais f*cks por centímetro quadrado do que em qualquer site de pornografia.

Aqui e ali, um brasileiro mais sensato tentava acalmar os ânimos. Em vão. É óbvio que a ciber-patuléia do Fotolog não estava interessada em encontrar soluções, mas apenas em mostrar ao mundo inteiro que, em termos de estupidez, podemos ser imbatíveis. Lamento informar que tiveram o maior sucesso. Nunca ninguém queimou o nosso filme tão rápido.

(O Globo, Info etc., 9.6.2003)

Update: A Wired também fala nisso.

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