O grande assunto do momento no universo da mídia digital é o “The Daily”, primeiro jornal criado especificamente para o iPad. Disponível por enquanto apenas no mercado americano, será grátis durante quinze dias e, a partir disso, custará 99 centavos de dólar por semana. Rupert Murdoch, que está por trás da empreitada, diz que o preço é possível porque foram eliminadas da equação impressão e distribuição, que têm custos altíssimos. O preço é uma bagatela -- mas, ainda assim, o jornal disputa espaço na Appstore com incontáveis ofertas igualmente irresistíveis, de jornais tradicionais com conteúdo aberto a revistas interativas, para não falar em milhares de aplicativos de outros tipos que também estão de olho nos 99 centavos do freguês. Para que o consumidor se disponha a comprá-lo regularmente, portanto, o “Daily”, como qualquer outra publicação, vai ter que conquistar o seu leitor.
No que depender desta leitora, o dólar semanal está, por enquanto, garantido – mas menos pelo conteúdo do que pela forma, e pela curiosidade em ver como ela evolui. É verdade que só li os dois exemplares que circularam até o momento em que escrevo, mas no quesito texto nada no jornal me chamou particularmente a atenção. As matérias são corretas, mas falta personalidade ao conjunto e às suas partes. Nada do que li nesses dois dias me cativou tanto quanto, por exemplo, a singela história de uma galinha roubada, escrita por Elizabeth Giddens e publicada pelo “New York Times” na quinta-feira, dia de estréia do “Daily”; e ainda não usei, uma única vez, o ícone que separa nossas matérias favoritas. Publicar textos “genéricos” num momento em que, cada vez mais, os leitores buscam personalidades, análise e opinião é, a meu ver, uma opção de risco – mas, de novo, dois dias são pouco para se julgar um jornal recém-nascido.
Com matérias pequenas, inúmeras imagens e a obrigação de satisfazer a um público geograficamente disperso, em termos de estilo o “Daily” podia ser primo do “USA Today”, ou seja, não é um jornal para quem gosta de ler. Em termos de uso dos recursos do iPad, porém, é de fato muito bem resolvido, sofisticado e simples ao mesmo tempo.
Não há nada “revolucionário” na sua apresentação, apenas a aglutinação inteligente de várias das possibilidades oferecidas pela interface do iPad. A navegação pelas páginas, por exemplo, que equivale a uma folheada no jornal, se faz através de um carrossel semelhante ao coverflow do iPod, em que as capas dos CDs do usuário rolam na tela (há também alternativas mais, digamos, convencionais, como um índice geral e links diretos para as várias editorias). Para ver melhor as fotos horizontais, algumas em 360 graus, basta virar o iPad; há vídeos muito bem integrados às matérias, esquemas táticos e tira-teimas dos jogos nos esportes e, para quem está com preguiça de ler o jornal, até mesmo uma apresentação em vídeo do resumo do dia, espécie de primeira página for dummies.
Como todo bom jornal, o “Daily” tem palavras cruzadas, horóscopo, previsão do tempo e Sudoku. As palavras cruzadas são ótimas, suficientemente fáceis para que qualquer anglo-parlante com conhecimento razoável do idioma possa terminá-las sem trauma. O horóscopo é apresentado na página da previsão do tempo (o signo é escolhido nos ajustes). Há uma editoria de fofocas (“Gossip”) e uma que tem tudo a ver com a mídia, “Apps & Games”, sobre jogos e aplicativos para o iPad.
A sensação que se tem percorrendo o “Daily” é mais a de se estar folheando uma revista do que um jornal, o que é perfeito, já que o iPad e as revistas são o casamento ideal em termos de legibilidade e manuseio.
Como todo mundo que se interessa por informação, estou curiosa em ver qual será a reação do público à nova novidade. Mais interessante ainda, porém, será acompanhar as mudanças que os jornais farão nas suas edições online para adaptá-las ao iPad pós-“Daily”.
Em tempo: pode-se ter um gostinho do “Daily” na internet, no próprio site do jornal (thedaily.com) ou numa página independente que já começou a indexar o jornal, e que só Deus e Rupert Murdoch sabem quanto tempo permanecerá no ar, em thedailyindexed.tumblr.com.
(O Globo, Economia, 5.2.2011)
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