25.12.08


E não é que o Natal chegou?!

Tenho a vaga sensação de já ter escrito isso antes, mas o fato é que, como dizia a clássica manchete, quando menos se espera, chega o Natal. E não só chega como, ainda por cima, passa! Trabalho na madrugada de terça-feira. A meu lado, a Famiglia Gatto dorme, tranqüila, sem saber que amanhã faço as malas e vou para o sítio. No closet, uma quantidade de presentes, vários rolos de papel e fitas de diferentes tipos esperam, ainda, a hora de serem formalmente apresentados uns aos outros. Há envelopes e várias notas de cinqüenta reais na gaveta, e um peru no congelador.

Quando a crônica for publicada, os gatos já estarão revoltados com o “abandono”; depois de passarem um brevíssimo período juntos, na maior intimidade, presentes, papéis e fitas terão se separado novamente, para todo o sempre; as notas de cinqüenta estarão na carteira dos porteiros e os envelopes no lixo; o peru terá sido recheado, assado e comido. Os cachorros da Mamãe terão devorado a parte que lhes cabe: Natal é Natal, e mesmo cães disciplinados como os do sítio têm direito a certas extravagâncias.

Para mim, que ainda tenho que embrulhar os presentes, montar os envelopes, fazer as malas e, amanhã, tomar o rumo da roça, o tempo parece um monstro inclemente, uma onda prestes a se quebrar sobre a frágil embarcação do humanamente possível – que é, afinal, o máximo que alcanço. Apesar de já ter vivido a mesma situação algumas dezenas de vezes, e de saber que, no fim, tudo dá certo, estou, desde hoje à tarde, com aquela sensação desagradabilíssima de que, dessa vez, não vou mesmo dar conta do recado.

Tenho uma dificuldade incurável em ser pontual, em me planejar, em viver com a calma dos previdentes. Praticamente tudo, na minha vida, acontece em cima da hora, de surpresa -- festas de fim de ano inclusive. Houve um tempo em que eu me mortificava, ficava sinceramente indignada comigo mesma e me prometia, com a melhor das intenções, tomar tenência segunda-feira.

Melhorei muito. Hoje já sei que isso nunca vai acontecer, e me poupo o desgaste inútil da auto-flagelação; já bastam o frio no estômago e a voz que insiste, em algum lugar: “Não vai dar tempo, não vai dar tempo, não vai dar tempo!”

* * *

(O Irineu acordou, foi para a sala e já veio de lá três vezes, aos gritos – ele é o único gato que conheço que grita em vez de miar – trazendo na boca bolinhas de papel molhadas, que vêm se desfazendo pelo caminho. Bolinhas de papel são seu brinquedo favorito, e ele gosta de caçá-las pela casa; uma vez capturadas, são meticulosamente afogadas no bebedouro. Assim como gatos que moram em casas trazem ratos, lagartixas e passarinhos agonizantes para os seus bípedes, o Irineu me traz bolinhas de papel recém-falecidas. Não é que morar em apartamento tem suas vantagens?)

* * *

2008 vai chegando ao fim e, como sempre, muitos atos de gentileza ficaram no ar, em tantos e tantos emails por responder. Devo desculpas, sobretudo, aos leitores que me ofereceram palavras de consolo quando a Netcat morreu: o seu carinho fez uma diferença enorme num momento em que eu estava particularmente triste. Não quis fazer uma circular porque me pareceu inapropriado e deselegante, mas, como não consegui responder sequer a um décimo dos que me escreveram, acabei sendo involuntariamente grosseira com quase todos.

Esta, aliás, é uma ilusão que ainda não consigo tratar com objetividade. Sempre acho que, mais cedo ou mais tarde, vou conseguir responder a todos os emails, um por um; e, lógico, não consigo passar da ponta do iceberg. A situação é pior com os que me mandam cartas pelo correio: ainda acontece, sim, e com razoável freqüência. Adoro receber essas cartas, que vêm, não raro, acompanhadas de fotos dos animais de estimação dos remetentes. Numa das gavetas da escrivaninha moram, por sinal, uns bonitos cartõezinhos com meu nome, que mandei fazer para (em tese!) respondê-las como convém, e como merecem. Mas nem preciso dizer que os cartõezinhos dormem o sono dos justos. Nada os perturba, jamais.

Não se trata de falta de atenção da minha parte, acreditem. É que há mais emails na caixa postal, e mais cartas na escrivaninha, do que consigo responder. Leio um por um, folheio uma por uma, e a simpatia com que foram escritos e enviados me comove; mas seriam precisos dias de 72 horas para que eu conseguisse ser igualmente gentil. Peço a vocês, portanto, que, imbuídos de espírito natalino, perdoem a sua cronista: essa não foi, decididamente, a educação que ela recebeu em casa.


(O Globo, Segundo Caderno, 25.12.2008)

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