Se alguém gritasse "Tsunami!", você corria?
Domingo, quase noite, aquela chuva que ameaçava vir mas não vinha, e lá ia eu, pedalando em direção ao Arpoador, olhando para o mar e imaginando o que deve ser uma onda maior do que um prédio de três andares, com seis quilômetros de comprimento e velocidade equivalente à de um jato da Ponte Aérea. Àquela altura, com a ajuda da internet e a insistência da televisão, que a cada meia hora fazia questão de explicar os movimentos tectônicos em minucioso detalhe e caprichada computação gráfica, eu já me considerava uma expert em tsunamis.
Ao longo do caminho, pescando fiapos de conversa aqui e ali, percebi que não era a única; no sinal da Vinicius, dois camaradas vociferavam contra os políticos, em geral, e os políticos americanos, em particular, porque supostamente os EUA teriam informações sobre as ondas, mas não as passaram às autoridades locais.
Fiquei com vontade de entrar na conversa. Afinal, hoje tudo é motivo para descer o cacete nos EUA -- e, embora eu até concorde com muito do que se diz, acho que posso afirmar, do alto dos meus recém-adquiridos conhecimentos sobre tsunamis, que talvez, desta vez, pode ser que a culpa não tenha sido de George W. Bush.
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Pensei no que teria acontecido, por exemplo, se, antes desta inacreditável tragédia, alguma autoridade americana tivesse mandado um alerta de tsunami para nós, aqui no Rio. Será que alguém o teria levado a sério? Será que realmente teríamos saído todos correndo para Santa Tereza ou para o Corcovado, ainda por cima num fim-de-semana de praia?Tenho a impressão de que muitos dariam um desconto ao alerta assim que soubessem de sua procedência: como levar a sério o discernimento de um país cujo medo de terroristas o leva a pilhar tesourinhas de unha nos aeroportos? Outros provavelmente veriam no alerta um simples golpe dos governadores acasalados, tentando desviar a atenção da população da falta de segurança e dos tiroteios de costume para um curioso, mas pouco provável, fenômeno natural.
Afinal, até a semana passada, tsunami a gente só conhecia de filmes-calamidade e dos programas do Discovery e do National Geographic -- cujas imagens de ondas assassinas, por sinal, sempre deixaram muito a desejar, pelo menos em termos de impacto.
Eu, com certeza, teria me armado com as digitais e corrido para a praia, para tirar fotos da ressaca. Pior: quando o mar se retraísse, não tenho dúvida de que teria entrado areia adentro, para registrar a estranhíssima visão de uma praia sem praia, com peixes pulando na areia.
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Segui em frente. No Arpoador, onde a vista do tempo fechado estava particularmente bonita naquele anoitecer, dois pescadores chegavam à conclusão óbvia:-- Você vê: isso aqui tinha tudo para dar certo, podia ser um país tão rico, tão bom! Não tem tsunami, não tem furacão, não tem escala Richter. Ô raça!
Mais uma vez fiquei com vontade de meter o bedelho no papo, perguntando aos ô-raça! em quem votaram nas últimas eleições; mas deixei pra lá, porque do lado de Copacabana vinha um transatlântico gigantesco, digno de uma foto. No instante seguinte, a chuva cumpriu a promessa que fazia desde cedo, e desabou em baldes e canivetes sobre todos nós. Subi na bicicleta e voltei correndo para casa, estranho anfíbio de óculos e rodas.
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Como já sabem os 17 leitores do Xexéo, a Capivara da Lagoa ficou entre os finalistas do seu (dele) tradicional concurso de Mala do Ano. Respeito a decisão soberana dos eleitores, mas não posso deixar de lavrar meu protesto. A Capivara passou quase dois anos quietinha, coitada, literalmente na moita, sem chatear ninguém; ela era, ao contrário, o encanto de quem, passeando pela Lagoa, tinha a sorte de encontrá-la.Numa cidade como o Rio, plantada em plena Mata Atlântica, a convivência entre gente e bichos não só é inevitável, como deveria ser estimulada. Uma coisa é ver um animal no zoológico, atrás de grades; outra, bem diferente, é dividir com ele espaço e paisagem. Estou certa que, levando sua pacata vidinha de roedora às margens da Lagoa, a Capivara fez com que muita gente passasse a olhar o meio ambiente com mais carinho e atenção.
Se há gente incapaz de perceber o privilégio que é conviver com uma capivara em pleno cenário urbano, só lamento. A verdade é que no interesse e no respeito pela natureza está o primeiro passo para que as pessoas se respeitem a si mesmas, umas às outras e ao mundo que as cerca.
Acho muito triste constatar este nível de apatia, esta total perda do espanto. É possível até que os leitores que se manifestaram contrários à presença da Capivara na Lagoa achem perfeitamente natural a presença da Rosena Sarney no ministério do Lula.
(O Globo, Segundo Caderno, 30.12.2004)
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