9.12.04



Um táxi perdido na selva

No último dia que passei em Rondônia, as gravações de "Mad Maria" foram interrompidas por volta das três, logo depois do almoço. Chovia a cântaros. Mais tarde, se a chuva passasse, seriam realizadas as primeiras tomadas noturnas da minissérie; para isso, uma equipe de técnicos trabalhara o dia inteiro, instalando toda a espécie de luzes e refletores pela floresta.

Parece óbvio -- e é -- mas, para mim, observar aquilo foi uma grande revelação. Não é que faz mesmo sentido deixar as noturnas para o fim das gravações? Imaginem só se, além de todos os problemas "normais", o pessoal ainda tivesse que se preocupar com cabos e fios coloridos aparecendo entre as árvores!

O deslocamento entre o hotel e o set de filmagens era feito em vans e microônibus. A primeira condução deixaria o hotel às oito; às dez haveria uma segunda. Se tudo desse certo, as gravações iriam até a madrugada.

Achei que sair às dez estava de bom tamanho, e decidi aproveitar o tempo até lá para dar uma volta de bicicleta. Saí sem destino pelas ruas largas cheias de mangueiras, parando aqui e ali para brincar com um gato ou um cachorro, ver a vista do rio e admirar revoadas de pássaros se preparando para dormir.

* * *

Quando voltei, todo mundo já tinha ido para o set. A tal leva das dez acabou não sendo necessária, de modo que lá estava eu, sozinha, entregue à minha própria sorte. Um lado de mim queria tomar banho e desabar na cama; o outro estava morrendo de curiosidade em relação às gravações noturnas. Nem preciso dizer qual prevaleceu, preciso?

Havia um último táxi em frente ao hotel, com dois sujeitos parados ao lado; pelo que entendi, eram sócios. Um sabia direitinho onde se realizavam as gravações mas, por motivos que não ficaram claros, quem me levou foi o outro.

Já fiz várias corridas de táxi estranhas, mas esta foi, sem dúvida, a mais notável de todas. Para lá da cidade, por uma estrada de terra batida e um escuro de breu do lado de fora; do lado de dentro, um taxímetro de alma nova-iorquina, iluminando dois bípedes sem noção do caminho. Os telefones celulares não recebiam sinal; o rádio funcionava, mas não havia mais ninguém na escuta do outro lado.

E a floresta, por toda a parte a floresta.

O set ficava a uns 15 quilômetros de Porto Velho; rodamos pelo menos 40. Ainda lembro que, num determinado momento, me ocorreu que eu deveria estar apreensiva em relação àquilo; o motorista, pelo menos, não parecia feliz. Mas achei a sensação de estar perdida num táxi em plena selva amazônica tão curiosa e incongruente que ela era a única coisa que de fato importava.

Quando finalmente chegamos ao local das filmagens, metade da equipe já tinha voltado para o hotel; a outra metade estava correndo para as vans antes que as luzes do set fossem apagadas. Mal tive tempo de fazer duas míseras fotos; logo uma das produtoras me agarrou pelo braço e me carregou embora. Eram duas da manhã. Em tese, as gravações iriam até as três, mas o trabalho rendeu tanto que acabou uma hora antes.

Fiquei muito frustrada de não ter visto nada -- mas, por outro lado, até o fim da vida vou me lembrar que, numa noite de novembro do ano de 2004, eu estava na Amazônia, dentro de um táxi que rodava perdido pela floresta.

* * *

Quando "Mad Maria" for ao ar, vocês vão ver uma cena chocante: num dado momento, os chineses voltam para o acampamento trazendo um trabalhador e uma capivara mortos. O trabalhador é um figurante que morreu de mentirinha (oh, não diga, é mesmo?); já a capivara, coitada, morreu de verdade. Veio congelada de São Paulo, de uma fazenda onde se criam capivaras para abate (!).

Felizmente, essa cena foi filmada na semana anterior à minha chegada, o que me poupou de ver a falecida. Afinal, o fato de ter sido criada em cativeiro não a tornava menos capivara, ou menos digna de viver sua pacífica vidinha de roedora.

Vocês também vão ver os personagens de Fábio Assunção e Ana Paulo Arósio mergulhados em tonéis de banha, engordurados até a raiz dos cabelos, mas não precisam ficar com nojo. A "banha" era manteiga de Karité, um creme cheirosinho e ótimo para hidratar a pele.

* * *

A estranha criatura da foto é uma lagarta que trouxeram de presente para a Ana Paula Arósio; ao fundo, os trilhos da Madeira-Mamoré. Quando vimos a bichinha, corremos, as duas, para fotografá-la; fiquei bem feliz, aliás, com este "retrato" que consegui.

Só no dia seguinte é que me dei conta de que, como jornalista, falhei feio na missão. A foto, naturalmente, não era a lagarta, mas sim a Ana Paula Arósio fotografando a lagarta...

Que vacilo!

* * *

Mudando de assunto: sensacional a reportagem da Regina Casé com os velhinhos, no "Fantástico"! Ela sempre manda bem, mas neste caso, especificamente, deu um show de humor, delicadeza e sensibilidade. Se vocês não assistiram, não percam a continuação, domingo que vem. O assunto interessa a todos. Como disse dona Canô, do alto dos seus 97 anos: ?Quem não morre, envelhece?.

(O Globo, Segundo Caderno, 9.12.2004)

Mais uma coluna que não foi surpresa para os leitores do blog... :-)

A foto era da nossa velha conhecida, a lagarta azul; mais tarde, quando voltar para casa, vou procurar uma foto inédita da bichinha para vocês.

Ou, então, uma foto inédita da Ana Paula Arósio (sim, fiz algumas!).

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