1.4.03



Um bando de comunistas

Que semana! No Leme, encontro do Icann com direito à presença de Vint Cerf; no Posto 6 o I-Law, reunindo uma turma realmente da pesada. Copacabana me engana: eu achando que ia ser fácil pular de um ponto a outro, e mal consegui acompanhar o I-Law...

Foi uma experiência interessantíssima ver todos os problemas legais da vida digital destrinchados, um a um, por algumas das melhores cabeças pensantes do ramo. Foi, também, uma experiência assustadora, considerando a pequena quantidade de vitórias obtidas por essa turma ? que, se mérito e Justiça tivessem peso, deviam ganhar todas. A questão ? difícil de encarar, mas, vamos combinar, inelutável ? é que, nos Estados Unidos das megacorporações, o dinheiro fala mais alto. E pronto. Não adianta argumentar, encontrar paralelos brilhantes, apelar para a inteligência do juiz ? até porque, na maioria dos casos, os juízes ainda são bastante ciber-incompetentes.

A tecnologia evolui muito mais rapidamente do que a lei. É esta defasagem que a MPAA e a RIAA ? principais litigantes nos casos de direito autoral americanos ? tratam de usar a seu favor. Casada ao seu poderio econômico avassalador, ela tem contribuído para atrapalhar o desenvolvimento científico, invadir a privacidade dos cidadãos e ameaçar a liberdade de expressão na rede.

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Os grandes advogados que participaram do I-Law pertencem a uma nova espécie. São híbridos de tecnólogos e juristas. Sei que para quem não é da área isso pode parecer o suprassumo da chatice elevado ao cubo, mas acreditem: a mistura é poderosa, e os moços são pessoas dotadas de extrema criatividade e extraordinário espírito público, coisa que não se pode dizer de muitos advogados.

Sua missão é defender a internet, a cultura e a liberdade de expressão da mão pesada do sistema, que não se conforma com a natureza anárquica da rede. São ?comunistas de idéias?, como gostam de afirmar; o que, conforme disse Gilberto Gil, faz todo o sentido: qualquer coisa que diga respeito à comunidade é comunismo, pois não?

Por que este seminário foi realizado aqui? Porque, obviamente, nem só o lado corporativo do mundo sabe que o Brasil é um mercado da maior importância. O lado pensante também sabe disso, e sabe mais: sabe que temos leis melhores do que as leis americanas, sabe que temos uma cultura em que ainda é papel do estado zelar pela sociedade, e sabe que, se há solo fértil para novas idéias, este solo é aqui. Mas é preciso que o nosso ecossistema seja protegido, é preciso que a sociedade esteja atenta ao que acontece e que pense, junto com o governo, os caminhos que vamos trilhar. Ou não.

Jonathan Zittrain, por exemplo, levantou, na sexta à tarde, uma bandeira da maior importância: nos EUA, aos poucos, os provedores de serviço internet estão sendo transformados em polícia da rede. O estado descobriu que, realmente, fica muito difícil ir atrás de cada internauta individualmente; mas é muito fácil ir atrás dos provedores. Que, por sua vez, passam a ir atrás dos internautas infratores. Que num primeiro momento podem ser perseguidos por pornografia ou pirataria, mas amanhã, se é que já não nesse momento, serão perseguidos por suas opiniões.

Outro ponto delicado: a tendência de se dar ao empregador todos os direitos sobre a vida digital dos empregados, coisa que também tem acontecido por aqui.

Isso, concordo com Zittrain, é extremamente grave. Boa parte da humanidade só tem acesso à internet no trabalho. Ainda que máquinas e conexão de fato pertençam ao empregador, o empregado não pertence, e tem direito à sua privacidade e intimidade. Usando uma analogia grosseira, mas verdadeira, imaginar que um empregador tem direito a ver toda a correspondência do empregado equivale a achar que ele tem o direito de vigiá-lo quando vai ao banheiro, já que a privada, a energia elétrica da bomba e a água são pagas pela empresa.

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Site da semana: www.waketheworld.org, um repositório de sensacionais cartazes contra o ataque ao Iraque, em P&B, prontos para serem impressos em casa e levados à passeata mais próxima.

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