6.4.03



Infelicidade a bom mercado

"A maior parte das crianças da Febem roubou a primeira vez para consumir, instigada pela propaganda maciça que tem a petulância e a insensatez de ditar o que somos, de onde viemos e para onde vamos. Os desejos destes meninos e meninas podem ser um tênis igual ao do ídolo rap, a bolsinha da Xuxa, a saiinha da Carla Perez ou a droga que irá abrir o portal do poder. Eles pensam assim: -- Besta é quem perde tempo e saúde trabalhando --, mesmo que estejam naquela situação degradante de internos da Febem." Henriette Tognetti Penha Morato, do Instituto de Psicologia da USP
O Claudinho me mandou este texto ontem. O nível de infelicidade gerado pela sociedade de consumo sempre me assusta, inclusive porque não vejo como vamos sair disso algum dia. Houve um tempo em que as crianças usavam sapatos -- melhores ou piores, conforme a sua situação social, mas essencialmente iguais. Eram apenas calçados. Hoje são Nikes, Adidas, sei-lá-o-quês. Um menino mata outro menino por um par de tênis. Não porque não tenha o que calçar, mas porque não tem o tênis que a publicidade diz que é bacana.

Mesmo as pessoas mais atentas e mais críticas se deixam seduzir e acabam bebendo Absolut em vez de Smirnoff, digamos, porque a imagem que a Absolut conseguiu criar combina mais com o seu jeito de ser -- e essa "mensagem" está lá, no fundo da cabeça, na hora de escolher. Não importa que não se consiga diferenciar uma da outra sem os rótulos ou mesmo que nem se beba; a Absolut, como sabemos todos que conhecemos sua espetacular campanha, é cool, e estamos conversados.

O pior é que essas imagens nunca funcionam no positivo, isto é, quem está bebendo Absolut, ou usando Nike, ou fumando Camel, não se sente particularmente feliz por causa disso; mas quem vai ao shopping e não consegue levar o que é cool, ou quase cool, sente-se inferior ou, no mínimo, inadequado -- e volta para casa com uma frustração pré-fabricada, uma sensação ruim que, num mundo mais justo, não estaria lá.

Não me perguntem como a gente sai dessa, porque, como já disse, não sei. Ainda agora, procurando um nome de vodka para contrapor à Absolut, caí no site da Stolichnaya e fiquei deslumbrada -- e olhem que eu não bebo.

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