11.10.02



Quem vê piercing não vê coração

Meu primeiro homem

Eu não tenho idéia de que tradução daria a “My first mister”, título original deste filme — mas certamente não seria “Meu primeiro homem”, que não tem nada a ver e, ainda por cima, dá uma idéia completamente errada da história.

O “mister” em questão é Randall (Albert Brooks), de 49 anos, um sujeito tão arrumadinho e quadrado quanto as roupas da loja para executivos em que trabalha; e quem se refere a ele é Jennifer (Leelee Sobieski, a Ruby da “Casa de vidro” — irreconhecível), de 17 anos: dark, tatuada, descabelada e desencantada, cheia de piercings, uma espécie de Clarah Averbuck de celulóide (Clarah, para quem não sabe, faz o ótimo blog Brazileira!Preta). Duas pessoas completamente diferentes, certo?

Nem tanto... Quando os dois se encontram pela primeira vez no shopping elegante onde ela vai procurar trabalho, a reação de Randall é previsível: ele fica horrorizado com aquele ser estranho, que obviamente não tem lugar no seu mundinho bem arrumado, e a põe da porta para fora. Mas ela não vai muito longe: senta-se desconsolada num banco do lado de fora, onde ele pode observá-la com mais cuidado, e perceber que há uma coisa qualquer que o atrai naquela garota esquisita — e ele lhe oferece um emprego no estoque, onde ela pode ficar convenientemente escondida dos seus clientes conservadores.

É a partir daí que vamos descobrindo que, apesar das aparências, Randall e Jennifer têm, no fundo, muito mais em comum do que se poderia pensar à primeira vista. Os dois são pessoas carentes e solitárias, sem amigos, bem menos auto-suficientes do que gostariam de ser. Logo tornam-se íntimos e, aos poucos, as características de um atuam sobre o outro, na convergência possível entre realidades tão diversas: ela vai ficando menos agressivamente gótica, ele menos obsessivamente bem-comportado — e algo mais do que uma bela amizade começa a surgir na tela.

Estamos diante de dois tremendos atores mas, infelizmente, também de uma diretora (Christine Lahti, vencedora do Oscar de melhor curta em 1996, por “Lieberman in love”) que, talvez inibida pelo clima politicamente correto dos Estados Unidos, não ousa levar um tema ainda tabu às suas últimas conseqüências.

Jennifer ama Randall e Randall ama Jennifer, mas...

Pronto, pois é, lá vem aquela conjunção adversativa que estraga tudo! A moça é dimenor, e convém não dar ao enredo a sua conclusão lógica. É aí que a fórmula, tão perfeitinha até o momento, desanda como um suflê que teve um encontro fatídico com uma corrente de ar: o filme dá uma virada dramática, não só inesperada como desnecessária, e passa a manipular descaradamente os sentimentos do espectador. Que pena — e que bobagem! Teria sido tão mais divertido e interessante assistir a um final diferente, a uma verdadeira comédia romântica... Do jeito que é, “Meu primeiro homem” está mais para tragédia romântica, se é que isso existe. Ainda assim, é melhor do que a média do que se vê por aí, e vale o ingresso.

(Megazine, O GLOBO, 09.09.2002)

Nenhum comentário: