26.4.10

Se beber, não telefone



Teria sido assim: Gray Powell, jovem engenheiro da Apple, saiu para comemorar o aniversário de 27 anos com amigos numa cervejaria de Redwood, California, chamada The Gourmet Haus Staudt. Estava usando o iPhone, como de costume, e a certa altura mandou para o Facebook uma mensagem louvando as virtudes da cerveja alemã. Foi a sua última comunicação através do aparelho que, pouco depois, ao sair, esqueceria no banco onde estivera sentado.

O iPhone foi encontrado por um rapaz que estava na mesa ao lado. Ele esperou mais um pouco, com amigos, por uma eventual a volta de Gray, mas, como ela não aconteceu, levou o celular para casa. Lá, finalmente, percebeu que o que tinha em mãos não era, por baixo da capinha protetora de plástico preto, um 3GS comum. Para começar, era chato na parte de baixo, tinha uma tira metálica em toda a lateral e, milagre, uma câmera frontal. Brincou um tiquinho com o brinquedo, dormiu e, no dia seguinte, encontrou o telefone bricado.

Bricado, conforme vocês sabem, é um neologismo que vem de “To brick”, transformar em tijolo, coisa que acontece quando um aparelho eletronico de formato retangular vai pro espaço em conseqüência de pico de energia ou de incompetência do usuário. Alguns aparelhos celulares também podem ser bricados à distância -- clássica defesa em casos de perda ou roubo.

O rapaz ligou para a Apple tentando devolver o tijolo. Ninguém lhe deu ouvidos. E assim, sabe-se lá como, o aparelho foi parar nas mãos do Gizmodo, popular site de notícias da vida digital, que teria pagado por ele US$ 5 mil, cash.

Lá o falecido celular foi devidamente despido da sua capa preta, fotografado, analisado, estripado. Os jornalistas da casa chegaram à conclusão de que estavam diante de um protótipo do iPhone 4, que só será (seria?) oficialmente apresentado ao mundo no segundo semestre. Mais importante, talvez, estavam diante da primeira falha séria na segurança paranóica da Apple, que não admite vazamentos e é reconhecidamente severa, mesquinha até, com quem ousa desagradá-la.

Nos dias seguintes à publicação da história e apresentação do iPhone 4, na segunda passada, o Gizmodo virou uma espécie de centro nevrálgico do mundo geek. Houve de tudo, de gente achando que era um Primeiro de Abril atrasado, a gente convencida de que tudo não passava de um golpe de marketing da Apple. Devo confessar que a minha primeira reação foi essa também. Depois, lendo a matéria, percebi que estava diante de um caso clássico de falha humana. Empresas que testam protótipos fora de “casa” e de um ambiente fechado a sete chaves devem aprender a contar com este elemento; se não contam, são burras mesmo, por mais inteligentes que sejam.

O mais esquisito é que houve, e há, gente que acha que o Gizmodo não deveria ter publicado a reportagem sobre o celular. Estão malucos?! A troco de quê o site perderia esta oportunidade?! A matéria seria anti-ética se o telefone houvesse sido apresentado pela Apple com toda a boa fé e o site tivesse assinado um NDA (Non-Disclosure Agreement). Como foi, cabia à Apple cuidar melhor do que era seu. Ponto.

Onde o Gizmodo pisou na bola, a meu ver, foi em entregar o pobre do engenheiro distraído, ainda mais com o tom ligeiramente debochado que usou. Sim, a Apple saberia logo quem perdeu o protótipo e o nome logo se espalharia pela comunidade de Cupertino, que não é lá tão grande; mas ele não ficaria exposto para sempre na internet como aquele cara que bebeu mal.

E o celular? Ah, sim: tem dois botões de volume, uma câmera com flash e uma câmera frontal. Nada que um bom smartphone não tenha há tempos.


(O gordinho da foto é Steve Wozniak)


(O Globo, Revista Digital, 26.04.2010)