6.5.10
Mães e livros
Se você ainda não comprou presente de Dia das Mães, conta com toda a minha simpatia: não acredito em datas comerciais travestidas de momento família. Em compensação, acredito demais em comprar livros, e acho que toda desculpa é válida para correr para a livraria mais próxima. Fiz, pois, uma listinha de favoritos, para dar uma ajuda aos indecisos.
Minha sugestão para a mãe sentimental é “A primeira luz da manhã”, de Thrity Umrigar (Nova Fronteira, 306 páginas, tradução de Regina Lyra). Ela é a autora de “A distância entre nós”, um dos melhores romances da fornada de títulos asiáticos que tomou conta das livrarias de uns anos pra cá. Não tenho certeza se Thrity, que vive em Ohio, pode ser classificada de fato como uma autora indiana, mas a Índia é o pano de fundo constante da sua literatura, e este volume autobiográfico não é exceção, cobrindo a infância e a juventude passadas em Bombaim. São memórias tensas, assombradas por uma mãe sádica e emocionalmente instável, e sua tumultuada relação com a família do marido; mas a delicada sensibilidade de Thrity atravessa a história, pontilhada de raios de luz e humor.
“Minha casa do outro lado do Atlântico”, de Helene Cooper, outro livro de memórias, também lançamento da Nova Fronteira (888 páginas, tradução de Luciana Nogueira), nos leva a um mundo ainda mais exótico do que a comunidade parsi de Bombaim. Helene nasceu na Libéria, país que a maioria das pessoas só sabe que existe porque aprendeu na escola. Faço parte dessa maioria. Confesso que nunca parei para pensar sobre a Libéria, até porque as notícias sobre a Africa costumam ser tão uniformemente catastróficas, que os países acabam por perder a individualidade, e fundem-se no mesmo cenário desolador.
Fundada em 1821 por escravos americanos libertos, a Libéria – cujo nome é uma referência direta à liberdade -- é um caso típico. Viveu aos trancos e barrancos até 1980, quando o governo foi derrubado por um golpe de estado, e desde então tem sido palco de violência constante. A guerra civil acabou, em tese, há coisa de cinco anos, mas o país, que tem uma taxa de desemprego de assustadores 85%, está entre os mais pobres do mundo. A expectativa de vida não passa dos 48 anos.
Helene Cooper nasceu numa família abastada, descendente dos primeiros colonizadores que voltaram da América. Era adolescente nos anos 80, quando teve que fazer o caminho inverso com a família, fugindo do golpe. Em “Minha casa do outro lado do Atlântico”, ela fala da vida na Libéria, da vida nos Estados Unidos (é repórter do The New York Times) e, finalmente, da volta, ainda que por pouco tempo, a uma Monrovia completamente destruída. Seu texto é ágil e direto, e é muito difícil parar de ler o livro antes de chegar ao fim. Mães que gostam de História e de autobiografias vão ficar fascinadas.
Para mães que têm insaciável curiosidade pelo mundo à sua volta, recomendo “A longa marcha dos grilos canibais”, de Fernando Reinach (Companhia das letras, 399 páginas), um dos livros mais interessantes que li ultimamente. Ele reúne 118 crônicas escritas entre 2004 e 2009 para O Estadão, onde Reinach assina uma coluna semanal, e abordam temas tão diversos quanto a curiosa marcha do título, o comércio pré-histórico dos brincos de jade ou por que os políticos fazem plástica antes das eleições. Cada crônica é um achado, e dá assunto para muita conversa. E como cada crônica é curtinha, “A longa marcha dos grilos canibais” é também uma ótima opção para mães que vivem na correria e não têm tempo para ler um romance de ponta a ponta.
“A mulher que chora”, de Su Tong (Companhia das letras, 249 páginas, tradução de Fernanda Abreu), é quase o oposto da “Grande marcha”: uma lenda mágica sem qualquer compromisso com a realidade, perfeita para a mãe romântica. Binu, a heroína, viaja léguas e léguas e enfrenta toda sorte de percalços para levar roupas de frio para o marido Qiliang, que trabalha na construção da Grande Muralha. Encontra pessoas e bichos estranhos, passa por terras de nomes misteriosos e causa grande comoção com suas lágrimas. Uma coisa linda.
A mãe fotógrafa e a mãe carioca militante vão adorar “Rio de cantos 1000” (Editora Réptil, 244 páginas), do meu colega Custódio Coimbra. Aviso, de antemão e por experiência própria, que o livro apresenta um pequeno problema para quem gosta de fotografar: é impossível olhar as suas imagens perfeitas sem uma pontinha de frustração, já que não há paisagem, por batida que seja, para a qual o Custódio não encontre um ângulo novo, que ninguém tinha percebido antes. A maioria das fotos não depende de nada além deste olho sempre certeiro, o que acaba sendo, afinal, uma grande lição de humildade.
“Fotografia de esportes”, do Ivo Gonzalez (Editora Photos, 318 páginas) -- presente ideal para a mãe atlética -- é menos doloroso, porque não é dado a reles mortais freqüentar lugares privilegiados em arenas esportivas. Nesse tipo de solo sagrado só pisam craques, e o Ivo, que há 20 anos fotografa esportes aqui para o jornal, está entre os melhores. Tive a chance única de acompanhá-lo na Copa do Mundo de 2006, e fiquei tremendamente impressionada com a sua disciplina e capacidade de concentração: suas fotos extraordinárias não são fruto do acaso, mas de um know-how raro e de muito trabalho. E, nem preciso dizer, de um talento de todo o tamanho.
(O Globo, Segundo Caderno, 6.05.2010)
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