30.10.09

Zorra total






Para a geração que hoje anda entre os 50 e 60, vale dizer a da blogueira que vos tecla (“Dentro de cada pessoa antiga há uma pessoa nova se perguntando o que diabos aconteceu”), Katmandu nunca foi exatamente uma localização geográfica, mas um estado de espírito.

Capital do Nepal escondida na cordilheira do Himalaia, ela era o destino dos sonhos de dez entre dez hippies, de boa parte dos fãs de Cat Stevens e até de uma parcela dos leitores de Lobsang Rampa, monge picareta que fez muito sucesso nos anos 70 descrevendo a vida no Tibete, que não é bem o Nepal, mas é logo ali, e a gente confundia mesmo.

Os relatos e fotos que chegavam daquele canto remoto eram a descrição perfeita do paraíso zen: uma pequena cidade cercada de campos de arroz e salpicada de templos e mosteiros antiqüíssimos, cheia de monges de cabeça raspada, onde a palavra pressa era desconhecida e o tempo permanecia imóvel desde sempre, perdido na contemplação das montanhas.

Sonhei muito com Katmandu.

Depois cresci, tive que cuidar da vida e Katmandu virou apenas uma música no player.

* * *

Na semana passada, pensando para onde ir a partir de Nova Delhi, Katmandu tornou a me chamar. A cidadezinha bucólica morreu há tempos, assassinada pela explosão demográfica, por décadas de conflito armado, pela poluição e pela ocupação descontrolada, mas ninguém é bixo grilo impunemente: impossível estar a duas horas de Katmandu e não aproveitar a oportunidade.

* * *

Há poucas coisas tão diferentes quanto a Katmandu idealizada e a cidade da vida real. A primeira impressão que se tem é péssima; as subseqüentes também. O país é paupérrimo, mas nem por isso as construções novas precisavam ser tão feias!

As lindas stupas antigas somem em meio às casas e prédios horríveis e, sobretudo, aos cartazes e anúncios que cobrem todas as superfícies disponíveis.

A Pepsi, pelo visto, comprou Katmandu; ou, pelo menos, o prefeito.

O trânsito faz com que o de Delhi pareça bom: é que lá, pelo menos, tem-se a impressão de que se está andando. As ruas e estradas são disputadas por carros, cabras, caminhões, bicicletas, pequenos ônibus, charretes, vacas sagradas e muitas, mas muitas motos, para não falar nos vendedores ambulantes, que se instalam tranqüilamente onde bem entendem.

O conceito de mão e contramão é desconhecido e os semáforos ainda não chegaram ao país, de modo que nada vai a lugar nenhum, nem mesmo as vacas, que aceitam com santa resignação a impossibilidade de exercer o seu direito de ir e vir.

Boa parte da população circula de máscara, sábia providência considerando-se que, por causa da poluição, os olhos ardem, a garganta seca, o nariz fica esturricado.

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Mas porém, however, entretanto...

(Não, o sonho não acabou de todo: ainda existem pedacinhos da Katmandu com que eu sonhava aqui e ali, e eles são lindos!)