22.10.09

Nova Delhi: primeiras impressões

 

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Acho que, finalmente, posso me considerar "chegada": já tenho um simcard que funciona no celular, já dei uma volta pela cidade, já saquei rúpias numa ATM e, claro, já comprei meia dúzia de filmes e um livro (Nine Lives, de William Dalrymple) -- como vocês perceberam, há poucos livros aqui na casa...

Ontem à noite, crente que tinha energia de sobra depois de tanto dormir em avião, fiz planos mirabolantes para acordar cedinho e passar a manhã lendo no jardim, antes de decidir que rumo tomar na vida.

Nem preciso dizer que o jetlag me deu uma rasteira bacana: acordei ao meio-dia sem saber se estava com fome ou não, e sem ter idéia de que espécie de fome era. Café da manhã? Almoço? Jantar?

É uma sensação esquisita, mas passa rápido. Tenho certeza que, amanhã, a minha fome está de volta intacta, e bem segura do que quer.

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Estou no setor de embaixadas, que é, naturalmente, uma área especialíssima, e não fui muito longe -- Embaixada do Brasil, Connaught Place, India Gate, o lindo palácio presidencial. Mas em toda esta área, que não é pequena, duas coisas me chamaram a atenção acima de todas as outras: a quantidade de árvores e as vozes contínuas dos pássaros.

Certamente terei muitas outras lembranças de Delhi, uma diferente da outra, mas esta primeira impressão, a de uma cidade cheia de pássaros, vai ficar comigo para sempre.

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Estou gostando muito de tudo, e mesmo aquilo de que não gosto me é, de certa forma, familiar.

As lojas pequenas, os monumentos espetaculares, os mercados caidinhos, as avenidas largas do planejamento urbano britânico, as calçadas feito as nossas, os simpáticos vira-latas dormindo pelos cantos, sem serem incomodados por ninguém.

No meu ponto de vista -- extremamente prematuro -- há uma dimensão humana nessa mistura, uma espécie de aceitação do fato de que somos assim mesmo, imperfeitos e cheios de contrastes. O contrário do que me repele e me desagrada na Suíça ou em Mônaco, que detesto de todo coração, é o que me atrai em Nova Delhi.

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Ninguém me pareceu ter muita pressa para nada; e todos me pareceram no mínimo gentis.

O famoso trânsito é mesmo uma doideira, mas menos por ansiedade do que por falta de regras. Fiquei com a impressão de que não há mão ou contramão, ou, se há, não chegam a ser respeitadas; tiram-se muitos finos e buzina-se direto, mas acho que o buzinaço é abre-alas e aviso aos demais.

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A burocracia, da qual estou sendo misericordiosamente poupada, é feroz. Dizem que foi inventada aqui. Para tudo é necessário um formulário em três vias com estampilha, carimbos, assinaturas e fotos, muitas fotos. Comprar um apartamento no Rio é transação mais simples e rápida do que comprar um simcard na Índia.

A idéia é combater o terrorismo, mas a gente conhece este filme da época em que comprar celular no Brasil era um perrengue para qualquer pessoa de bem.

Se eu estivesse entregue à minha própria sorte, continuaria fazendo roaming até o fim da viagem, entre outras coisas porque só residentes podem comprar simcards. Aí, quando tudo dá certo e a operação é, digamos, agilizada, leva-se cerca de uma semana para se conseguir um simples pré-pago.

Minha vida conectada foi salva deste beco sem saída pelo Eric Sogocio, da seção consular da nossa embaixada, que, como anjo-da-guarda plantado no lugar certo na hora certa, me emprestou um cartão sobressalente.

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Até aqui, tirando o jet-lag, a maior complicação da minha existência indiana têm sido as tomadas, um híbrido entre as européias e aqueles monstrengos ingleses, que desafiam os meus adaptadores e, sobretudo, a minha crença arraigada de que, com eletrônicos e trecos que dão choque em geral, não se usa a força bruta.

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Perto do Índia Gate fiquei um tempo olhando um vendedor de paan, acocorado no chão, com a mercadoria exposta em cima de uma bandeja: folhas, potes de temperos, faquinha, tudo iluminado por uma pequena lanterna. Cada folha leva a mistura de temperos escolhida pelo freguês, e é dobrada num pequeno quadrado, que se mastiga e mastiga até se cuspir fora; uma espécie de chiclete orgânico.

A certa altura veio de lá um varredor de rua levantando poeira (sim, há muita poeira em Delhi), passando a vassoura rente à bandeja.

Pensei que estava diante do fim do expediente para o vendedor de paan, mas que nada. Ele puxou a bandeja pro lado e continuou trabalhando, imperturbável.

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Não me lembro mais de quem se queixou da falta de gatos na Índia, mas informo: não procede. Logo no primeiro mercado que pisei em busca de uma Vodafone para recarregar o celular encontrei uma corujinha entretida diante de um buraco na parede; e, na hora do jantar, uma tricolorzinha esperta atravessou o jardim, com a tranqüilidade de quem é dona do pedaço.

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É possível que, daqui a uma semana, eu escreva o contrário exato do que escrevi hoje; mas quis muito registrar essas primeiras impressões, porque adorei a cidade e estou feliz.

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