18.5.09

Ora, direis...

Vou relativamente pouco ao Centro; mas, quando vou, me divirto, como acontece com tanta gente que não precisa trabalhar lá e pode se dar ao luxo de curtir a movimentação. Semana passada fui resolver uns assuntos na Cinelândia e, na volta, passei pelo Avenida Central e pelo Largo da Carioca. O Avenida Central, vocês sabem, é o ninho do comércio de eletrônicos. Há sempre muitas coisas que me tentam, mas o efeito geral do prédio é invariavelmente o mesmo: embarco numa trip filosófica sobre quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Tudo porque acho fascinante ver num mesmo local, a preços acessíveis, tantos objetos com os quais sequer sonhávamos há alguns anos. O mesmo acontece, numa escala reduzida mas ainda mais surpreendente, no Largo da Carioca (e em todos os cantos onde haja barraquinhas de bugigangas). Os mais desvairados sonhos de consumo transformaram-se, com o tempo, em quinquilharias sem valor.

Exemplo: o meu primeiro disco rígido, que comprei nos anos 80 ao ridículo preço de US$ 750, que tinha o tamanho e o peso de um tijolo, e capacidade de... 20Mb. Vinte megabytes! Lento como uma tartaruga, vinha dos Estados Unidos por baixo do pano (a reserva de mercado proibia a importação) e era cercado de não-me-toques. Hoje, qualquer banquinha tem estoque de pen drive, e a gente faz pouco quando eles têm menos de 1Gb. Lanterna de LED, uma tecnologia que já deixou muito queixo caído, é o que há de banal. E os chaveirinhos com mini-câmeras digitais? E os enfeites (em geral horríveis!) de fibra ótica?

Vi fibra ótica pela primeira vez em Baltimore, nos Estados Unidos, a bordo de um navio da AT&T que funcionava como oficina de reparos de cabos submarinos. Depois nos apresentaram a uma fábrica daqueles finíssimos fios de vidro e nos deram, a cada um, um pedacinho da grande maravilha, envolvida nas várias camadas de isolantes e protetores que compõem os cabos submarinos. O meu pedacinho foi venerado, em casa, como suprassumo da tecnologia.

Enquanto isso, na entrada da pequena feira, uma moça se especializa numa arte incrivelmente low-tech: ela escreve em grãos de arroz que, depois, põe num tubinho e transforma, com uma miçanga e um fio preto, num modesto e original colarzinho. O conjunto todo, com até três nomes e um minúsculo desenho, custa quatro reais.


(O Globo, Revista Digital, 18.5.2009)

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