21.5.09
Escrevi essa orelha para o livro "Budapeste 1900", de John Lukacs, que acaba de ser publicado pela Editora José Olympio:
Filha e neta de refugiados húngaros, cresci ouvindo histórias de Budapeste, da sua vida artística, de seus teatros, seus cabarés, seus incontáveis intelectuais que frequentavam os cafés como extensões da própria casa. Lá encontravam os amigos, liam os jornais e trocavam idéias sobre um mundo que, infelizmente, ia de mal em pior. Ainda assim, mesmo nas lembranças mais sombrias, era possível perceber o fulgor de uma cidade cosmopolita e sofisticada, uma espécie de Paris para iniciados, para onde convergiam todos os talentos.
Encontrar essa cidade extraordinária em livros e filmes sobre o Império Austro-Húngaro sempre foi, porém, tarefa mais difícil. Viena, a outra capital, invariavelmente rouba os louros de Budapeste. É compreensível. Além de ser maior e mais importante, lá falava-se (e fala-se) o alemão, muito mais conhecido e acessível do que o impenetrável idioma magiar.
Viena é, também, consideravelmente mais antiga do que Budapeste, que só passou a existir a partir de 1872, com a fusão das cidades de Buda e Pest. Mas essa relativa juventude era, como propõe o historiador John Lukacs (não confundir com o filósofo marxista Georg Lukacs, que sequer era seu parente), o que distinguia a capital da Hungria na virada do século. Viena entrava em decadência enquanto Budapeste fervia. E se as lembranças dos velhos imigrantes são matéria fugidia e impressionista, os dados da pesquisa mostram-se sólidos argumentos. Um único deles é suficiente para dar idéia do que era essa cidade em desenfreado crescimento: em 1900, publicavam-se, em Budapeste, nada menos de 22 jornais diários!
Quem lia tanta notícia? E quem escrevia tanta notícia? A verdade é que ali havia toda uma nação descobrindo-se a si mesma, buscando as suas raízes literárias e musicais, às voltas com as várias refrações visuais de si mesma. Budapeste continua única até hoje; seus edifícios, seu jeito de ser, os sons da rua em que o barulho dos bondes mistura-se à fala das pessoas.
Os anos dourados que Lukacs foi buscar, na esperança de resgatar a memória da cidade abafada pelos anos de comunismo e, sobretudo, pelo mito criado em torno da Viena da Belle Époque, duraram muito pouco. A amável e criativa convivência entre a aristocracia urbana, os ricos proprietários de terras e a burguesia em ascendência foi tragada pelo torvelinho de um nacionalismo malsão que pôs tudo a perder.
É difícil enquadrar “Budapeste 1900” numa categoria específica; o livro mistura em doses mais ou menos iguais memória e história política, estudo demográfico, ensaio urbanístico. O que eu sei é que, se o título já não tivesse sido usado, “Fragmentos de um discurso amoroso” cairia, aqui, como uma luva.
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