21.5.09
Cantando a pedra
“As calçadas de pedra portuguesa são características do Rio desde o início do século passado, quando o prefeito Pereira Passos importou profissionais calceteiros de Portugal para suas obras de remodelamento urbano. Trata-se de um piso simples, de baixo custo, que permite todo tipo de desenho e pode ser combinado com outros materiais com excelente resultado plástico. É, no entanto, material que exige cuidados contínuos, pois na sua execução as pedras são justapostas num sistema intertravado, e basta que uma se solte para que toda superfície em seu entorno se desestruture. Portanto, a manutenção deve ser constante, a exemplo do que se faz em Lisboa, que possui grandes extensões deste piso meticulosamente conservado.
Se aqui não temos profissionais preparados para sua conservação e recuperação, problema detectado desde a ocasião das obras do Rio Cidade, quando calceteiros foram trazidos de Minas, porque não criar uma escola convidando profissionais do ramo para transmitir a técnica em oficinas? Como resultado teríamos a possibilidade de recuperação de um ofício extinto e oportunidades de trabalho permanentes. Além disso, a cidade ganharia muito mantendo sua tradição.” (Jane Santucci)
“Nos anos 60, a Revista Arquitetura, do IAB, apontava os pisos mais eficientes em termos de manutenção para os espaços urbanos, e as pedrinhas portuguesas entravam no rol. Os piores eram as lajotas de hidráulicas, pisos cerâmicos, cimento e grandes placas de granito, por causa da dificuldade de serem removidos ou por terem de ser destruídos em caso de intervenção. Um dos autores da matéria foi o Conde, o cara que colocou cimento na Av. Copacabana e lajotas hidráulicas na Real Grandeza e na Voluntários.
O que mata as pedrinhas no Rio são 1) carros e caminhões, muitos a serviço do poder público, circulando ou estacionando pelas calçadas; 2) a incompetência das concessionárias de serviços públicos que, além de não terem plano de manutenção, não conseguem tapar seus buracos; e 3) a falta de mão de obra especializada para manter as calçadas. Mas o maior problema de todos é mesmo o poder público, que aqui se dana para tudo.” (Andre Decourt)
“Quando era garoto, via os calceteiros portugueses trabalhando na calçada da praia com grande seriedade. Faziam aquilo com o ar compenetrado de quem executa uma tarefa muito complexa. Acho até que não riam. Nem pareciam operários comuns, pareciam artistas. Tinham uns moldes de madeira com as ondas e, depois de demarcar a área a ser refeita, selecionavam as pedras com a precisão de quem resolve um quebra-cabeça. Havia a lenda urbana de que aqueles trabalhadores eram especializadíssimos, e ninguém mais seria capaz de mexer nas calçadas quando eles se aposentassem. E não é que era verdade?” (Pio Borges)
“Minha noiva está em Lisboa e, lendo sua coluna, disse-me que as famosas pedras portuguesas continuam dominando o cenário, sempre bem colocadas, juntinhas e sem buracos. Mesmo as áreas mais recentes da cidade são cercadas por quilômetros quadrados de pedras portuguesas, sem buracos, desníveis ou reclamações de senhoras de salto alto. O problema não é das pedras, é da incompetência na instalação e da falta de manutenção. Na nossa cidade até o asfalto é mal cuidado e esburacado, a cara da curriola que a governa e administra há anos. Quero muito, muito, mas muito sair daqui! Quem mora na Zona Norte, fora dos jornais, sem polícia ocupando socialmente o morro, sem paisagens bonitas e inspiradoras, e absolutamente sem presença do estado e da prefeitura, não tem o menor apego, inspiração ou vontade de ficar no Rio.” (Leonardo Guimarães)
“Moro no bairro de Campo Grande, houve um Rio Cidade aqui há uns dez anos, uma obra grande, "belas" calçadas de cimento colorido, bloquetes de cimento fazendo mosaicos, tudo nos conformes. Hoje está uma réplica da superfície da Lua, sendo mais fácil andar na rua, que incrivelmente está com menos buracos e desníveis. Já vi muitos tropeçarem, torcerem o pé, caírem... Lembro que, quando eu era criança, cada imóvel era responsável pela sua calçada. Quem fiscalizava? A Comlurb, com os garis que varrem as ruas. O supervisor da equipe notificava o proprietário a fazer os reparos em determinado prazo, além de aplicar multa. Assim cada um cuidava de seu pedaço na calçada.” (Simas)
“Aqui na Bahia tiraram as pedrinhas portuguesas do Farol e do Porto, puseram um cimento horroroso, sem a mínima alegria, arrancaram também algumas árvores ente a barra da baía e o Forte na calada da noite (disseram que estavam velhas, nem árvores podem envelhecer em paz nesse país), deixaram um concreto fuleiro que a última chuva já esburacou em alguns pontos, um troço sem poesia, sem a pátina do tempo, completamente sem charme e cidade nenhuma sobrevive sem charme, sem referências antigas, sem tataranetos pisarem o mesmo chão que tataravôs pisaram; sem referências cidades não são cidades, são depósitos de gente, e gente que sem referências perde o respeito pelo bem público e junto perde o respeito pelo conterrâneo; sem a história e o vivenciar local dela é tudo uma imensa invasão, não uma cidade. Aqui nessa terra um Coliseu já teria virado um estacionamento ou um centro de compras, com passeio de cimento nojentinho, passeio de cimento é como flor de plástico, não tem estrago mas também não tem perfume.” (Matilda Penna)
(O Globo, Segundo Caderno, 21.5.2009)
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