Desculpem o atraso na publicação! É que sai cedo de casa e só voltei agora, quase meia-noite.
O Rio contradiz os poetas e as letras de música que cantam a primavera. É só olhar pela janela para ver que o outono é, disparado, a estação mais bonita da nossa cidade: céu azul, temperatura razoável e aquela luz que transforma tudo. Nesses dias, sobretudo à tardinha, pouco antes do sol se por, a gente consegue até esquecer os problemas de que se queixa no resto do ano.
A praia está uma glória, e a Lagoa parece mesmo um espelho d’água, refletindo as nuvens nos mínimos detalhes. A imagem só se quebra quando garças e biguás aparecem para jantar, quando um peixe salta no ar ou quando os remadores dão a volta, lépidos e atléticos, matando de inveja os sedentários que os observam das margens. Qualquer desavisado que resolva interpretar a cena pela quantidade de celulares e de câmeras apontados para a paisagem pode imaginar, perfeitamente, que estamos numa das cidades mais seguras do mundo.
No Jardim Botânico, um casal de turistas pede que eu faça a sua foto em frente ao chafariz. A câmera é uma velha Pentax analógica, que me desconcerta por alguns instantes: cadê o visor? Capricho no clique, e eles se despedem me desejando um bom resto de tarde e uma viagem segura de volta.
Eu agradeço e vou embora sem esclarecer o equívoco. Não quero humilhar ninguém dizendo que moro aqui.
* * *
Por falar em Jardim Botânico, finalmente conheci o teatro mais charmoso do Rio. Inaugurado no final do ano passado, o Espaço Tom Jobim foi construído dentro de um galpão tombado, que servia como depósito. Ele fica nos fundos do Jardim Botânico, se é que se pode dizer que um jardim tem fundos, e, para chegar lá, atravessa-se um bom trecho do que, no escuro, passa por verdadeira, ainda que pequena, floresta. O trânsito maluco dá lugar a uma região de sossego, e o próprio ar fica mais fresco. O teatro, com 400 lugares, é espaçoso e elegante, um perfeito contraponto para as casas de show que dominam a cena musical.Fui assistir ao delicioso show da Olívia Byington, “A vida é perto”, que já tinha visto na estréia, há dois anos, na Casa de Cultura Laura Alvim. No palco grande ele perdeu a sensação de intimidade que o teatrinho de Ipanema proporcionava, mas, em compensação, o espetáculo cresceu, assim como a habilidade da Olívia no violão. O show já saiu de cartaz, mas não custa ficar de olho, porque nunca se sabe quando volta. Também não custa ficar de olho no Espaço Tom Jobim, que combina tão bem com tudo o que o Rio tem de bom. Hoje, por exemplo, tem Lenine: não estou dizendo que esse teatro é um luxo?
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Já o filme que melhor combina com esses dias lindos é “A mulher invisível”, do Claudio Torres: é leve e engraçado, e o espectador sai feliz do cinema, contente por ter feito um programa tão bom. O roteiro, também do Cláudio, é um achado, e conta a história de Pedro (Selton Mello), um controlador de tráfego (!) abandonado pela mulher. Cansada da vida previsível, ela resolve viver perigosamente ao lado de um alemão, de quem, para adiantar as coisas, já está grávida.O pobre Pedro cai em depressão. Esquece os amigos, o trabalho e a conta de luz, até que Amanda, a vizinha (Luana Piovani), bate à porta pedindo uma xícara de açúcar. Linda, insinuante, cheia de amor para dar, ela o conquista num piscar de olhos, e os dois passam a viver a relação dos sonhos de todo homem. Amanda arruma a casa como ninguém, faz faxina usando lingerie sexy, prepara banho de espuma para o maridinho que chega cansado do trabalho, nunca tem um dia ruim e gosta tanto de futebol, mas tanto, que não só assiste jogo da terceira divisão como, ainda por cima, sabe dar palpite sobre a escalação dos jogadores. O único problema com Amanda é que ela não existe. Até descobrir isso, porém, Pedro paga vários micos, se desentende com o chefe e ainda corre o risco de perder outra vizinha, Vitória, a mulher possível.
O filme é de Selton Mello, que tem o ingrato papel de fazer uma série de inesquecíveis cenas meigas com... ninguém. Qualquer ator menos talentoso estaria fadado ao ridículo, mas o seu Pedro é simpático e convincente. Luana Piovani foi uma grande surpresa para mim. Ela é tão bonita, e aparece metida em tanta confusão, que o seu trabalho de atriz fica em segundo plano; mas a verdade é que só ela poderia ser a mulher invisível. De resto, o elenco está afinadíssimo: Maria Manoella faz uma Vitória melancólica e bem mineirinha, Vladimir Brichta é Carlos, o colega canalha, e Fernanda Torres rouba a cena como Lúcia, a irmã mais do que pragmática de Vitória.
Para nós, cariocas, o filme tem ainda o charme extra de ser passado no Rio: lá estão os prédios nossos conhecidos, o Cine Leblon (com o Gregório Duvivier de gerente), as ruas em que andamos todos os dias, a Livraria da Travessa. Cidade bonita tem disso, a gente nunca se cansa de olhar.
(O Globo, Segundo Caderno, 28.5.2009)
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