Onde está Wally, ou:
Durma-se com um barulho desses...
Bom, onde é que nós estávamos mesmo? Ah, sim: em Playa del Carmen, ou pura e simplesmente Playa para os íntimos; uma espécie de Búzios ou Arraial da Ajuda, com o mesmo tipo de restaurante, o mesmo tipo de pousada e o mesmo tipo de italianos e argentinos que viajaram num ácido um pouco mais esquisito nos anos 70 e caíram das beiradas do mundo.
A diferença é que o mar em Playa é aquela coisa azul-turquesa que chega a doer no olho, e a água é quentinha.
E, claro, tudo é em dólar. Muito dólar!
O hotel era um primor. Clean, aconchegante, tinindo. Só não tinha conexão internet e -- só reparei na saída -- TV no quarto. Foi, aliás, o rapaz da portaria quem mencionou isso, porque não cheguei a notar.
(TV no quarto: não quero tocar neste assunto.)
Bati muita perna pela cidadezinha, mas mergulhar que é bom neca: o mar estava péssimo, tão batido que não dava nem para snorkel. Os barcos não saíam há dois dias.
Acabei indo à praia, onde fiquei lendo sobre a história do México e fotografando pássaros e pessoas; mas não faz sentido para quem é do Rio, e não dispõe de tanto tempo ou dinheiro, ficar lagarteando numa praia em dólar. E em espanhol.
De modo que fiz as malas e vim para o México, de onde sai meu avião para casa.
Dois dias para uma cidade deste tamanho chega a ser ridículo. Quando eu ainda estava em Cancún, pensando no que fazer da vida, o Ramalho me deu a dica de um hotel aqui: Majestic, colado na Catedral, plantado em pleno Centro Histórico.
Muito interessante como arquitetura, barato, com possibilidades fotográficas sensacionais nos quartos que se abrem para a praça.
Liguei de Playa e falei com um cara muito simpático. A tarifa do website é U$ 100, mas ele fazia por U$ 75. Perguntei se tinha cibercafé por perto, e ele me deu a resposta que todo mundo quer ouvir na vida:
-- Señora, las habitaciones tienem acceso inalámbrico gratuito.
Inalámbrico é a palavra que eles usam para dizer wi-fi. Inal era o deus tolteca dos raios; amb vem de "xamq" (pronuncia-se sham-que), que em alguns dialetos maias significa "trazido por". O sufixo "rico" é espanhol contemporâneo, e quer dizer que tem muita gente ganhando dinheiro com internet.Fiquei empolgadíssima com a informação e, quando cheguei ao aeroporto, fui ao balcão de hotéis para dar uma última checada.
O preço caiu para U$ 59, com impostos e café da manhã incluídos.
Quando a esmola é demais, o santo não desconfia. Suspira de alívio e fica feliz achando que fez um bom negócio.
O hotel é realmente interessantíssimo, cheio de personalidade, muito bem localizado para quem quer saber qual é da Cidade do México. O quarto é espaçoso, limpo e confortável. A vista é tudo o que o Ramalho falou. O acesso inalambrico está aqui, funcionando perfeitamente.
Em suma: o hotel tem tudo -- menos ar refrigerado, ou um mísero ventilador.
Mas este é o menor dos seus males.
Acontece que a vista fenomenal do Zócalo tem um preço: o barulho fenomenal do Zócalo, que impede que se abra a janela, apesar do calor de 30 graus.
Quando cheguei, um grupo de nativos estava indócil, batia tambores e dançava ensandecido ao lado da Catedral. Três seresteiros armados com violão, harpa e maracas cantava boleros debaixo da minha janela. Quatro diferentes grupos de manifestantes, munidos de potentes alto-falantes, berravam quatro diferentes músicas de protesto, interrompidas por palavras de ordem e discursos. Do quarto ao lado, vinha o barulho da televisão, no último furo, porque qualquer coisa abaixo disso seria mesmo inaudível.
Agora são 2h45, e os companheiros trabalhistas continuam fazendo uma pequena rave lá fora, num volume tal que, com a janela e a cortina fechadas, e tampões nos ouvidos, continuo escutando o repertório bizarro que mistura bate-estaca, passagem de som, foguetório e a Cucaracha.
La cucaracha, la cucarachaVolta e meia um ônibus que chega trazendo mais companheiros para festejar o Primeiro de Maio entra na praça, buzinando com entusiasmo.
Ya no puede caminar
Porque no tiene, porque le falta
Marijuana que fumar.
Os ônibus mexicanos usam foghorns.
Não há de ser nada, porém; amanhã fica pior.
Além da discurseira, dos seresteiros, dos tambores e da gritaria é domingo, e a Catedral, com seus 58 sinos, fica aqui ao lado.
Não vou dizer que esteja achando tudo divertidíssimo, porque estaria mentindo; mas tenho certeza absoluta de que um dia ainda vou rir muito disso tudo.
Update: 3h34. Agora é Pink Floyd, cantem comigo: Shine on you crazy diamond... Não, não se fazem mais trabalhistas como antigamente.
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