1.5.05



Onde está Wally, ou:
Durma-se com um barulho desses...

Bom, onde é que nós estávamos mesmo?

Ah, sim: em Playa del Carmen, ou pura e simplesmente Playa para os íntimos; uma espécie de Búzios ou Arraial da Ajuda, com o mesmo tipo de restaurante, o mesmo tipo de pousada e o mesmo tipo de italianos e argentinos que viajaram num ácido um pouco mais esquisito nos anos 70 e caíram das beiradas do mundo.

A diferença é que o mar em Playa é aquela coisa azul-turquesa que chega a doer no olho, e a água é quentinha.

E, claro, tudo é em dólar. Muito dólar!

O hotel era um primor. Clean, aconchegante, tinindo. Só não tinha conexão internet e -- só reparei na saída -- TV no quarto. Foi, aliás, o rapaz da portaria quem mencionou isso, porque não cheguei a notar.

(TV no quarto: não quero tocar neste assunto.)

Bati muita perna pela cidadezinha, mas mergulhar que é bom neca: o mar estava péssimo, tão batido que não dava nem para snorkel. Os barcos não saíam há dois dias.

Acabei indo à praia, onde fiquei lendo sobre a história do México e fotografando pássaros e pessoas; mas não faz sentido para quem é do Rio, e não dispõe de tanto tempo ou dinheiro, ficar lagarteando numa praia em dólar. E em espanhol.

De modo que fiz as malas e vim para o México, de onde sai meu avião para casa.

Dois dias para uma cidade deste tamanho chega a ser ridículo. Quando eu ainda estava em Cancún, pensando no que fazer da vida, o Ramalho me deu a dica de um hotel aqui: Majestic, colado na Catedral, plantado em pleno Centro Histórico.

Muito interessante como arquitetura, barato, com possibilidades fotográficas sensacionais nos quartos que se abrem para a praça.

Liguei de Playa e falei com um cara muito simpático. A tarifa do website é U$ 100, mas ele fazia por U$ 75. Perguntei se tinha cibercafé por perto, e ele me deu a resposta que todo mundo quer ouvir na vida:

-- Señora, las habitaciones tienem acceso inalámbrico gratuito.
Inalámbrico é a palavra que eles usam para dizer wi-fi. Inal era o deus tolteca dos raios; amb vem de "xamq" (pronuncia-se sham-que), que em alguns dialetos maias significa "trazido por". O sufixo "rico" é espanhol contemporâneo, e quer dizer que tem muita gente ganhando dinheiro com internet.
Fiquei empolgadíssima com a informação e, quando cheguei ao aeroporto, fui ao balcão de hotéis para dar uma última checada.

O preço caiu para U$ 59, com impostos e café da manhã incluídos.

Quando a esmola é demais, o santo não desconfia. Suspira de alívio e fica feliz achando que fez um bom negócio.

O hotel é realmente interessantíssimo, cheio de personalidade, muito bem localizado para quem quer saber qual é da Cidade do México. O quarto é espaçoso, limpo e confortável. A vista é tudo o que o Ramalho falou. O acesso inalambrico está aqui, funcionando perfeitamente.

Em suma: o hotel tem tudo -- menos ar refrigerado, ou um mísero ventilador.

Mas este é o menor dos seus males.

Acontece que a vista fenomenal do Zócalo tem um preço: o barulho fenomenal do Zócalo, que impede que se abra a janela, apesar do calor de 30 graus.

Quando cheguei, um grupo de nativos estava indócil, batia tambores e dançava ensandecido ao lado da Catedral. Três seresteiros armados com violão, harpa e maracas cantava boleros debaixo da minha janela. Quatro diferentes grupos de manifestantes, munidos de potentes alto-falantes, berravam quatro diferentes músicas de protesto, interrompidas por palavras de ordem e discursos. Do quarto ao lado, vinha o barulho da televisão, no último furo, porque qualquer coisa abaixo disso seria mesmo inaudível.

Agora são 2h45, e os companheiros trabalhistas continuam fazendo uma pequena rave lá fora, num volume tal que, com a janela e a cortina fechadas, e tampões nos ouvidos, continuo escutando o repertório bizarro que mistura bate-estaca, passagem de som, foguetório e a Cucaracha.
La cucaracha, la cucaracha
Ya no puede caminar
Porque no tiene, porque le falta
Marijuana que fumar.
Volta e meia um ônibus que chega trazendo mais companheiros para festejar o Primeiro de Maio entra na praça, buzinando com entusiasmo.

Os ônibus mexicanos usam foghorns.

Não há de ser nada, porém; amanhã fica pior.

Além da discurseira, dos seresteiros, dos tambores e da gritaria é domingo, e a Catedral, com seus 58 sinos, fica aqui ao lado.

Não vou dizer que esteja achando tudo divertidíssimo, porque estaria mentindo; mas tenho certeza absoluta de que um dia ainda vou rir muito disso tudo.

Update: 3h34. Agora é Pink Floyd, cantem comigo: Shine on you crazy diamond... Não, não se fazem mais trabalhistas como antigamente.

Nenhum comentário: