23.5.05



Info etc: dez anos online

Na semana passada, este "Info etc." que vos fala pôs os pingos nos ii: num momento em que almas bem-intencionadas mas de pouca memória comemoram os dez anos da internetBR, nossos intrépidos repórteres André Machado e Elis Monteiro foram à fonte e esclareceram a questão. O primeiro passo da internet no Brasil foi dado, segundo Carlos Afonso, no dia 18 de julho de 1989, quando entrou no ar o primeiro servidor Unix do Ibase conectado à internet nos EUA. Ele tem autoridade para falar: estava lá e, para todos os efeitos, é um dos pais da criança.

O "Info etc." propriamente dito não estava, mas apenas por um detalhe técnico: é que o caderninho só nasceria em março de 1991. Muitos de nós que, ao longo dos anos trabalhamos aqui, porém, nos envolvemos com a internet nos seus primórdios, bem antes de 1995.

Freqüentávamos BBS, precursores primitivos dos grupos de discussão, e trocávamos emails uns com os outros; mas como velocidade de conexão era coisa inexistente, trabalhávamos com pacotes, isto é, ligávamos para o BBS, baixávamos as conversas e depois, off-line, respondíamos às mensagens. Quando a tarefa era dada por terminada, ligava-se novamente o modem e o telefone e subia-se o pacote.

Também fazíamos compras. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma livraria pioneira chamada Bookstacks Unlimited podia ser alcançada por telnet no endereço books.com. Os tempos pré-web eram tempos de interface de caracteres, e o que se via era, em geral, uma tela escura com letrinhas verdes; assim, em vez de procurarmos livros a esmo, já íamos de caso pensado. A mesma coisa acontecia com as outras poucas lojas que se aventuravam pelo desconhecido, como a CDconnection.com ou a CDnow.com, onde muitos de nós deixávamos parte considerável dos salários.

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A partir da Eco 92, o Alternex começou a funcionar como a nossa porta para o exterior. Já não era necessário pertencer a uma instituição de ensino ou pesquisa para ter acesso à rede e, com o aumento do número de usuários, grandes novidades aconteceram. Em Juiz de Fora, por exemplo, o engenheiro Rogério de Campos Teixeira decidiu pôr online o estoque da Quarup, sua livraria antiquária. Era um empreendimento pioneiro e corajoso, solidamente assentado num PC XT de 640K, com 80Mb de disco rígido...

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O ano de 1995 é significativo para o "Info etc." porque, depois de um longo período de testes e de afinação, subimos a nossa primeira edição web. Oficialmente, o "Jornal do Brasil" foi o primeiro jornal brasileiro online; e, como um todo, foi mesmo. Mas, bem antes de sua primeira edição web ir ao ar, o caderno de informática do Globo já estava na internet.

Na época, ninguém tinha servidores para manter a operação na empresa: assim, o "Info etc. 2.0", como chamávamos a nossa versão online, ficava hospedado na Embratel. Mantê-lo era uma operação doméstica, literalmente: subíamos o material de casa, nas horas vagas.

A idéia de que um jornal online precisava de uma equipe especial e de uma linha editorial ainda era algo por nascer. O Info etc. 2.0 era tocado basicamente pela equipe do caderno, sobretudo pela extraordinária Cristina De Luca, que sempre teve uma intuição quase que sobrenatural para a vida na rede.

Tínhamos poucos leitores, mas todos eram extremamente participativos e escreviam dando sugestões e fazendo pedidos. Foi assim que algumas colunas, que não tinham nada a ver com informática, foram se juntando à edição online. A primeira delas, se bem me lembro, foi a do Renato Maurício Prado.

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A grande dúvida corporativa naqueles tempos de internet a vapor foi semeada pela miopia de Bill Gates em relação à rede. Gates estava convencido de que a internet era um hobby de estudantes, ao passo que o futuro estava realmente nos serviços fechados, como a AOL, a Compuserve ou a sua própria MSN.

Para quem "morava" na internet, isso era o cúmulo da falta de visão; mas como convencer diretores de empresas importantes que o todo-poderoso CEO da Microsoft estava enganado, e que aquela meia-dúzia de criaturas alternativas estava certa?

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Grandes discussões foram travadas no mundo inteiro entre executivos de terno e gravata e geeks conectados de jeans e camiseta. Quem apostou na "visão" de Gates se deu mal. A Microsoft escapou porque, com os fundos de que dispõe, pode se dar ao luxo de errar muito, muitas vezes; mas a verdade é que a empresa sofre, até hoje, os efeitos daquela falta de noção inicial em relação ao que era a rede.

De certa forma, vejo o mesmo erro sendo cometido em relação à telefonia móvel. Parece que a Microsoft não pegou a idéia de que um smartphone não é um computador do tamanho de um telefone, e sim um animal completamente diferente, que não foi feito para rodar um Windows miniaturizado. Mas isso já é outra história.

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Para quem estiver em Florianópolis na terça-feira, dia 24: o Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina faz 50 anos e promove um ciclo de debates sobre Jornalismo, Democracia e Inovação Tecnológica. É no Auditório da Fesesc, às 20hs, e vou estar lá, conversando com o colega Cesar Valente, do ótimo Carta Aberta. A entrada é grátis, não precisa nem inscrição.


(O Globo, Info etc., 23.5.05)

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