24.2.05



Shrek

Já não se fazem contos
de fadas como antigamente


Passei os últimos dias de molho, com a Mãe de Todas as Gripes. Foram longos dias espichada na rede, sem ânimo para ler, fotografar, brincar com os gatos ou o computador; no máximo conseguia folhear revistas para ver as figurinhas, e olhe lá. De umas tantas páginas me sorriram o Príncipe Charles e sua Camila, por outras tantas passaram Ronaldinho e a Cicarelli, batidos, como se tentassem driblar o mico monumental em que se transformou a festa cafona do seu não-casamento.

Apesar da gripe, sorri de volta para Charles e Camila. Honestamente? Acho bonita essa história, e fico feliz por eles. Não tenho a obsessão dos ingleses pela família real, ça va sans dire , mas acho aquilo lá muito divertido, uma espécie de ?Big Brother? permanente, com a vantagem de que a gente só ouve falar neles uma vez por mês, se tanto, e mesmo assim fica conhecendo todos os personagens.

Não chego a perder o sono por isso, mas volta e meia me pego com pena deste pobre Charles, nascido e criado para ser rei, e que, até agora, passado mais de meio século, ainda não foi nada, nada, nada, nem fez outra coisa na vida a não ser esperar, esperar, esperar...

A senhora sua mãe, sabemos todos, vai muito bem, obrigada -- e, ao que consta, não demonstra qualquer vontade de abdicar e passar a bola adiante.

Sim, é lógico que o príncipe tem uma vida de luxo e conforto que nenhum de nós sequer sonha; sim, é claro que coitado mesmo é quem nasce nos grotões da miséria mais negra, destinado a morrer sem qualquer luz ou possibilidade; sim, é óbvio que há problemas muito mais sérios e reais (sem duplo sentido!) ali na esquina; mas, ainda assim, não consigo deixar de ter dó deste pobre privilegiado que, em uma ou duas horas, sem mexer um só dedinho, ganha o que eu levo o ano inteiro para ganhar; que nunca precisou se aborrecer com a infiltração permanente no corredor nem comunicar à Telemar que um telefone inoperante precisa de conserto.

Minha impressão é que, no fundo, tudo o que ele queria é que o deixassem em paz com seus cavalos, criticando a arquitetura contemporânea e conversando com as plantas. Em vez disso, teve que se curvar às conveniências da corte, abrir mão da namorada de juventude e casar com uma garota histérica e bulímica, que adorava vida social e era a queridinha das massas.

No entanto, basta olhar para ele e para Camila para ver -- sem maldade, please ! -- que foram feitos um para o outro.

Não sei se Diana casou sem saber do papel de Camila na vida de Charles. Acho quase impossível, porque num mundinho daquele tamanho, mesmo sem contar com os holofotes da mídia, todos sabem de tudo. Também acho muito difícil acreditar que, por mais jovem que fosse, ela tivesse se casado sem saber no que estava se metendo. Naquela época, mais do que hoje, um casamento real ainda estava mais para assunto de segurança nacional do que para desenho da Disney.

Suponho que o que a tenha deixado tão infeliz tenha sido a total impossibilidade de conquistar o marido, algo muito frustrante para qualquer pessoa um pouquinho mais romântica, mas certamente intolerável para uma mulher estonteante e carismática, que tinha o mundo inteiro a seus pés.

A tragédia de Diana já foi exaustivamente discutida por todos; mas sempre achei muito mais interessante, do ponto de vista dramático, a infelicidade do príncipe, obrigado a conviver com aquela criatura celestial que lhe dava nos nervos.

* * *

Em tempo: alguém duvida que, se Camila fosse uma beldade, este casamento já não teria acontecido há anos, na mais santa paz?

* * *

Já Ronaldinho -- que, ao contrário do príncipe Charles, vive, de fato, uma vida de rei -- pagou caro por brincar de casamento no Castelo de Caras. O jogador modesto e simpático, de quem todo mundo gostava, revelou um lado novo-rico tão cheio de detalhes antipáticos -- a começar pela noiva -- que chega a ser difícil imaginar maior gol contra. Sobretudo quando se pensa que, enquanto a Cicarelli armava o barraco milionário, o outro Ronaldinho reunia um time de craques para ajudar as vítimas da tsunami.

Anda muito mal assessorado, o rapaz. É perfeitamente compreensível que não quisesse um batalhão de jornalistas na festa, mas, se não tivesse proibido os convidados de levar câmeras e celulares, a essa altura estaríamos todos comentando os detalhes da decoração, o vestido da noiva e aquela p**** de lustre que ameaçava cair o tempo todo, em vez de nos concentrarmos nos 15 minutos de fama da linda penetra.

Nessa história patética, cheia de personagens e atitudes ridículas, o Mico Preto ficou com os patrocinadores da Cicarelli, que foram dormir com a princesa e acordaram com a bruxa.

(O Globo, Segundo Caderno, 24.2.2005)

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