Diálogo com a Telemar: nas raias da loucura
Teclo 104.
A Telemar informa: este telefone mudou para 103 . Teclo 103.
Boa tarde. Bem-vindo à Telemar 31. Se você já é cliente Telemar, tecle pausadamente o DDD da cidade, mais o número do telefone que deseja consultar . Não me consulto com telefones nem desejo fazê-lo, mas quero me queixar do telefone lá de casa, que está mudo. Aceito o português arrevesado do call center e teclo pausadamente 021 e o número do telefone.
O número digitado foi DDD 21 telefone 2-5-2-1-0-*-*-*. Para confirmar tecle 3. Teclo 3.
Dificuldade de acesso à internet ou conserto de telefone, tecle 2. Teclo 2.
Música insuportável.
-- Boa tarde. Com quem falo?
-- Com Cora Rónai.
-- Qual o telefone e a localidade?
-- Aqueles que eu teclei pausadamente no começo desta ligação.
-- Correto, senhora, mas qual o telefone e a localidade?
-- Se essa informação não entra no sistema, para que vocês pedem que a gente tecle, ainda por cima pausadamente?
-- Correto, senhora, mas qual o telefone e a localidade?
-- Eu quero falar com uma pessoa. Você pode me chamar um gerente, por favor?
-- Senhora, hoje é feriado, não há ninguém da gerência aqui. A senhora podia me informar o telefone e a localidade?
Informo, resignada. Informo também o número do registro da queixa.
-- Um momento, senhora.
Música insuportável. Música insuportável. -- Senhora, vou estar fazendo um pedido de conserto...
-- Não precisa, já fiz. Já passei o número do registro para você, inclusive.
-- Correto, senhora. Vou estar fazendo um pedido de conserto referente ao seu registro.
-- Peraí : quer dizer que só agora vocês vão cuidar para que o telefone seja consertado?!
-- Correto, senhora. O registro que a senhora me forneceu é referente a uma informação de inoperância.
Respiro fundo e teclo pausadamente até dez nas minhas teclas mentais. Tento me lembrar que, do outro lado da linha, há uma pobre moça que, possivelmente, nem trabalha para a Telemar, mas sim para um call center terceirizado que, ainda ontem, atendia a clientes com dúvidas sobre frangos congelados, repelente antiácaro ou algo do gênero.
-- Vamos ver se eu entendi. Quer dizer que ligar para vocês e dizer que o telefone não está funcionando não basta, não é suficiente?
-- Senhora, a senhora precisa fazer um pedido de conserto. O registro de inoperância que a senhora me forneceu refere-se apenas a uma queixa registrada há cinco dias a respeito de um telefone que não funciona, mas não consta pedido de conserto.
-- Mas para que é que eu ia me dar ao trabalho de ligar e informar que o telefone não funciona?! Só para desabafar com alguém?!
-- Senhora, no seu registro não consta pedido de conserto.
-- Mas foram vocês que estragaram a linha! Assim que o telefone ficou mudo, me disseram que a Telemar estava fazendo reparos na área e que tudo voltaria ao normal dentro de poucas horas. Não voltou. Liguei de novo. Prometeram para o dia seguinte. E nada! Desde então ligo para a Telemar todos os dias, várias vezes por dia. Não ligo tanto assim nem para a minha mãe!
-- Correto, senhora, mas no número de registro que a senhora me forneceu consta apenas a informação de inoperância.
-- Mas o que é que vocês acham que eu ia fazer com um telefone que não funciona?!
-- Entendo, senhora, mas não há pedido de conserto registrado, apenas uma informação de inoperância.
Esqueci que, do outro lado da linha, havia uma pobre moça que, possivelmente, trabalha numa empresa de atendimento terceirizada e blablablá, e soltei os cachorros contra a Telemar. Os gatos me olharam de banda, e a Bia veio ver o que estava acontecendo. Vinha de celular na mão, entretida numa conversa aparentemente amistosa.
-- O que foi, mãe?
-- Estou tentando explicar para a Telemar a diferença entre um telefone operante e um telefone inoperante, mas é inútil.
-- Ah, que coincidência! Estou falando com eles também, e eles estão dizendo que vêm consertar o telefone daqui a pouco.
-- Então resolve daí, que eu desisto.
Desliguei o celular à beira de um ataque de nervos; a Bia ainda falou alguns minutos no dela, como se estivesse conversando com uma pessoa de verdade.
Meia hora depois tocou o interfone. Era a Telemar. Achei impossível que fosse o pedido da Bia; mas era. Dez minutos depois, o telefone estava funcionando às mil maravilhas, como se tivesse passado o carnaval esperto e falante, como qualquer outro telefone.
O que é que ela fez que eu não fiz? Comparamos nossas técnicas de solicitação de serviço. Ambas havíamos nos portado com calma e cortesia; eu só explodi na última ligação. Ambas ligamos para o 103, e teclamos -- pausadamente -- o mesmo DDD e número de telefone. A única diferença aparente é que eu disse que o telefone não estava funcionando, ao passo que ela simplesmente pediu que viessem consertá-lo.
Pelo visto, para que a Telemar entre em ação, não basta que um telefone esteja
precisando ser consertado.
Ele tem que
querer ser consertado.
(O Globo, Segundo Caderno, 17.2.2005)