4.8.03



Ofensa não é crítica, ou:
A arte de lidar com o ciber-vandalismo



Na semana passada enfrentei, pela enésima vez, os transtornos da “liberdade de expressão” online. Uma ameba sociopata desandou a escrever bobagens ofensivas na área de comentários do meu fotolog, literalmente bloqueando o acesso às fotos.

Resultado: além de perder tempo apagando aquelas porcarias, tive que restringir a área de comentários a pessoas autorizadas, ou seja, as que já estavam na lista de favoritos. Novos visitantes precisam, agora, me enviar um email para que eu os inclua.

Uma pena, porque, diante dessa barreira, muita gente desiste. Digo por experiência própria, porque eu mesma já deixei de comentar várias fotos de que gostei em fotologs de colegas por causa disso.

Por outro lado, sob esse aspecto, o Fotolog funciona bem melhor do que os sistemas de comentários dos blogs, que ainda não criaram sistemas eficientes para deter ciber-vândalos, e precisam ser vigiados e “capinados” constantemente.

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À medida em que mais e mais pessoas começam a ter blogs e fotologs, o problema passa a ser cada vez mais comum. Há alguns anos, decidir quais opiniões de leitores iriam ou não ao ar era atribuição dos editores das seções de cartas dos jornais, que se baseiam em normas claramente identificadas e em anos de traquejo e bom-senso.

Com a internet, e suas múltiplas opções de palpite, essa difícil atividade passou à esfera da decisão individual e, freqüentemente, solitária: ao contrário dos editores, que sempre têm com quem discutir casos complicados, blogueiros e fotologueiros trabalham em geral sozinhos — e muita gente ainda está meio perdida em relação ao assunto. Afinal, a liberdade de expressão é cara a todos nós (ou, pelo menos, à maioria) e apagar uma mensagem pode, efetivamente, representar um gesto de censura.

Ao mesmo tempo, críticas às vezes são difíceis de aceitar. Se mesmo o couro de rinoceronte que adquiri em tanto tempo de jornalismo não me torna imune a palavras duras, que defesa imunológica terá o blogueiro ou fotologueiro que se depara, pela primeira vez, com opiniões pouco favoráveis? Como agir diante da pluralidade de opiniões com que nos confrontamos no cotidiano da rede?

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Nos primeiros tempos do blog, eu ficava muito perturbada quando tirava algo do ar. Aos poucos — mas realmente aos poucos, e depois de muito bater cabeça com outros autores de blogs — fui me convencendo de que há uma linha entre crítica e ofensa. Nem sempre ela é clara, mas existe, e deve ser ela o parâmetro para o que fica ou o que não fica na área de comentários.

Opiniões dissonantes não são necessariamente ofensivas; já xingamentos, agressões gratuitas, provocações e palavrões não são, definitivamente, críticas que se devam ser respeitadas. As primeiras conduzem ao diálogo; as segundas, à destruição do meio-ambiente, já que blogs e fotologs são ecossistemas delicados.

Suas áreas de comentários são botequins virtuais onde, frequentemente, as mesmas pessoas se reúnem, todos os dias, para trocar dois dedos de prosa. Às vezes sai uma briga. É normal. Mas às vezes entra um pitboy pela porta adentro, quebra móveis e garrafas, agride os habitués. Aí já não há nada de normal. A freguesia estranha, fica infeliz, vai embora — e o point vai pro brejo.

Já vi bons e valiosos blogs morrerem por causa disso, e gente de bem sofrer, sinceramente, por causa de pedradas virtuais de vagabundos — quase sempre anônimos. É impressionante, aliás, constatar como as pessoas mais agressivas são, invariavelmente, as mais covardes. É tão fácil manifestar opiniões radicais no anonimato! Tão fácil investir contra o mundo por trás da proteção de uma tela! Não por acaso, o Slashdot, respeitado blog de nerds, atribui a alcunha de “Covarde anônimo” a quem entra sem se registrar.

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Hoje já há certo consenso entre as várias comunidades online que freqüento: democracia é bom, desde que mantidas as regras básicas da boa convivência. Demarcar a linha entre crítica e ofensa é difícil, mas não impossível; é este equilíbrio que quem mantém um blog ou um fotolog deve procurar.

Comentários idiotas, mas não ofensivos, devem, de preferência, ser ignorados. Apagar um comentário não deixa de ser uma forma de resposta, e a regra de ouro para a grande mesa de botequim da comunicação, virtual ou não, já foi estabelecida há tempos pelo Millôr: “Não se amplia a voz dos idiotas”.

Importante também é não se deixar pressionar pelo barulho das antas que, deletadas, gritam em nome da “democracia” ou da “liberdade de expressão”. Balela. A maravilha da rede é que, se eu não estou contente com o que você está diz aqui, posso muito bem abrir um blog ali adiante para contestar as suas palavras. Isso é democracia e liberdade de expressão; entrar num blog ou num flog para xingar e fazer pipi no tapete é falta de educação, grosseria, vandalismo.

(O Globo, Info etc., 4.8.2003)

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