24.8.03



O que vêem os cegos?

Acabo de ler The Mind's Eye, um artigo sensacional que o neurologista Oliver Sacks escreveu para a New Yorker de 28 de julho, sobre o que vêem os cegos. É um assunto fascinante, porque, como a gente sabe, uma coisa é a visão em si mesma, outra a memória do que se viu e o que se imagina visualmente.

Sacks observa que há várias reações visuais à cegueira. A maioria das pessoas continua firmemente ancorada a um mundo de imagens, às vezes até mais intenso e colorido do que o dos que vêem; algumas, porém, perdem por completo essa referência, mergulhando no que John Hull, um professor inglês que ficou cego aos 48 anos, define como "cegueira profunda" (deep blindness).

Nos anos que se seguiram à perda da sua visão, Hull perdeu também todas as memórias visuais. Por exemplo, embora consiga perfeitamente escrever um algarismo traçando-o no ar com a mão, não tem mais idéia de como são os algarismos; guardou a lembrança motora, mas a imagem desapareceu.

Tornou-se, assim, muito semelhante aos que nascem cegos, ou ficam cegos antes dos dois anos de idade. Para essas pessoas, obviamente, não existe a noção de "visão" ou "cegueira", ou sequer a sensação da perda de um sentido.

Quando Sacks escreveu um ensaio sobre Touching the Rock, o diário de Hull, recebeu cartas de vários cegos contestando este mundo sem imagens. Um deles, Zoltan Torey, desenvolveu a tal ponto a sua capacidade de visualização, que passou a "enxergar" o movimento interno de motores e engrenagens.

Toreey usa o cérebro como, digamos, a tela de um computador, onde vai criando imagens. Quando a sua casa ficou com goteiras, por exemplo, refez, sozinho, todo o telhado. Agora imaginem só o susto dos vizinhos, vendo o ceguinho lá no alto, mexendo com as telhas -- e, ainda por cima, entrando com a tarefa noite adentro!

Torey e o telhado sobreviveram muito bem, obrigado. E, como Hull, ele também escreveu um livro sobre a vida sem visão, Out of Darkness -- que acaba de ser publicado com prefácio de, justamente, Oliver Sacks.

Para mim, o artigo da New Yorker é particularmente interessante quando levanta questões sobre a capacidade de visualização não de quem é cego, mas de quem enxerga -- até porque sou completamente destituída dessa capacidade, e penso muito a respeito disso.

Penso também sobre como penso, e este é outro ótimo ponto abordado em The Mind's Eye: Como pensamos? Em que medida nossos pensamentos se fazem de imagens? Ou será que a mente prefere palavras? Símbolos? Sons?

Enfim, taí uma boa pergunta de domingo:

Como é que vocês pensam?

Não esquecendo, é claro, que -- como sempre lembra o Inagaki -- pensar enlouquece. Pensem nisso...

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