À noite, quando se fuma
SÃO FRANCISCO -- Quem disse Los Angeles quase acertou: estou em São Francisco, uma das minhas cidades favoritas no mundo e, com certeza, a única cidade americana em que eu poderia morar, pelo menos alguns meses por ano. A paisagem é linda, a cidade é administrável (770 mil habitantes), as pessoas são ótimas e informais, há gente de todas as partes do planeta, pode-se andar a pé à vontade e o mar fica logo ali. Problemas? Para mim, basicamente, dois: o custo de vista, simplesmente astronômico, e o frio, no inverno. Para os nativos certamente existem outros -- aliás, tenho que perguntar isso ao Lynn -- mas para mim, que estou de passagem num começo de primavera, tá tudo ótimo.A "nossa" casa fica em Telegraph Hill, uma das áreas mais "São Francisco" da cidade. Do terraço, tem-se vista para os principais pontos turísticos da cidade: as pontes Golden Gate e Bay Bridge, Alcatraz, Coit Tower e Lombard Street, aquela ruazinha torta que aparece em todos os filmes rodados aqui. Isso pode ser um transtorno ocasional: ontem, por exemplo, tivemos que dar uma volta enorme para chegar ao restaurante em que queríamos jantar, porque um grupo de ruas estava fechado para as filmagens do Incrível Hulk. E eu aqui, achando que este personagem já tinha desaparecido na linha do horizonte...
A volta valeu a pena; fomos a um grego chique mas bom, meio que lugar da moda. Comemos bem e nos divertimos vendo as pessoas; mas bom mesmo foi o jantar da sexta-feira, quando fomos no Da Flora (Ostaria Venexiana), logo aqui embaixo, a poucos quarteirões de casa. A Flora, amiga do Lynn, é meio húngara e meio italiana, mais exatamente meio veneziana, o que nos torna seres da mesmíssima procedência -- com a diferença que ela aprendeu a cozinhar de verdade, e eu não.
Ela e sua companheira Mary Beth têm dois gatos muito simpáticos, de 12 e 13 anos, cujos retratos ficam bem visíveis em cima do balcão. O restaurante é pequeno, aconchegante e muitíssimo bom. Tudo estava ótimo. A quem tem planos de vir para esses lados, recomendo com todas as estrelas possíveis. O endereço é 701 Columbus Ave., e o telefone (deve-se fazer reserva) é (415) 981-4664.
O mais interessante de tudo, porém, não foi o jantar. Foi o fim do jantar. Nós éramos uma das últimas mesas da casa, e a moça que nos servia disse ao Lynn para segurar as pontas, porque era aniversário da Mary Beth e o pessoal só estava esperando os últimos clientes irem embora para comemorar. E assim foi. Aos poucos foram chegando os donos e donas de outros restaurantes do pedaço, que também haviam acabado o serviço, alguns trazendo flores, outros presentinhos diversos. Rolou uma grapa muito boa pra todo mundo, fecharam-se as portas e... várias pessoas começaram a fumar!
Brincadeira? Que nada! Esta é a nova atividade ilícita em São Francisco, onde os fumantes não têm mais vez em lugar algum. Lynn e Daniel, o amigo que estava conosco, são dois dos últimos moicanos, assim como Mary Beth e uma meia dúzia dos seus amigos. Achei muito engraçada aquela cumplicidade de foras-da-lei, que me lembrou um bando de adolescentes esperando os pais saírem de casa para fumar escondido.
Ficamos todos batendo papo animadamente por mais uma hora, e depois voltamos para casa a pé, enfrentando as ladeiras e um vento frio que só vendo. Foi uma noite maravilhosa.
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