9.12.01




Arte?!

Ontem, voltando para casa da festa de aniversário do Chico e do Paulo Caruso, passamos por uma pilha de lixo cheia de papéis velhos, caixas e caixotes vazios. Millôr me perguntou se aquilo não podia ser uma metáfora para os tempos modernos. Muito mais que isso, respondi: expõe essa porcariada toda numa Bienal, assim como está, e no dia seguinte críticos seríssimos vão estar escrevendo artigos profundos e obscuros sobre o angustiante significado da obra... Aí o sinal abriu e fomos em frente.

Mais tarde, pensando sobre o assunto, me lembrei que, há alguns anos, estávamos no lançamento de um livro do Lucio Costa (era isso?) no Paço Imperial. Havia uma quantidade de gente, não havia, naturalmente, onde sentar e, a certa altura, nos encostamos numa barreira de madeira que estava dando sopa no pátio. Mas nosso bem-bom durou pouco: logo havia um segurança nos cutucando, pedindo para desencostarmos: a barreira era uma "obra de arte".

Como é patético um mundo que aceita este tipo de empulhação! Ninguém tem mais coragem de dizer nada, de olhar para um monte de lixo exposto numa galeria de arte e chamar aquilo pelo que é, um monte de lixo. Para mim, arte que, para ser compreendida, precisa de explicação e de manual maior do que um manual de video-cassete ou de relógio da Seiko não é arte, sinto muito. Pode estar onde estiver, custar o que for, ter os elogios de quem quer que seja -- eu sou um ser primitivo a quem o sublime significado do insignificante escapa por completo.

E o pior é que esse tipo de arte pode ser muito perigoso! Agora mesmo três coleguinhas do USA Today foram demitidos por causa de uma dessas "obras de arte" entre aspas. Eles estavam no andar da presidência, viram uma coisa extremamente empoeirada e não resistiram: escreveram "Kilroy was here" na poeira. Que não era poeira, mas sim uma escultura mais cara do que o fundo de garantia de uma editoria inteira... Resultado: rua. A redação está protestando como pode, usando fitinhas enfeitadas com bolas azuis (o que nós aqui chamamos, eufemisticamente, de "receber bilhetinho azul", eles lá chamam de "receber bola azul"). Alguns colegas mais organizados criaram até um Blue Journalists Fund, para levantar a grana que os três vão precisar para os custos legais.

Pena que, até o momento, todas as dicussões em torno do caso estejam girando em torno da injustiça das demissões e da pronta solidariedade demonstrada pela classe. O episódio podia ser consideravelmente ampliado se alguém fizesse as perguntas fundamentais dessa história: arte que pode tão facilmente ser confundida com poeira é arte? E que formadores de opinião são esses que não só caem num conto desses como, ainda por cima, prezam mais essa poeira pretensiosa do que os seus funcionários?

Não é à toa que o USA Today é aquela droga ilegível...

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