12.2.09

De quero-queros e outros bichos



“Cora Rónai: hoje, por volta das 16h, na altura da Refinaria de Manguinhos, na Av. Brasil sentido Centro, assistimos e participamos de uma verdadeira lição de amor aos animais, cuidado extremo e sensibilidade, quando uma familia inteira de marrecos (pai, mãe e oito filhotes), atravessava tranquilamente aquele trecho, diga-se passagem, conturbadíssimo. Paramos o carro eu e minha esposa, e um outro carro, uma van de entregas. Freando subitamente, demos passagem para os "transeuntes". Em seguida o motorista da van, Marco Antonio (da Vinicola Aurora), entregou-me o Segundo Caderno do Globo, exatamente com sua coluna falando dos quero-queros. Coincidência ou não, ele estava lendo sua matéria, e me entregou dizendo:

-- Ainda temos nós, Cariocas, nesta cidade.

E riu profundamente.

Seu leitor,

Jorge Pimenta”

Como vocês vêem, nem tudo está perdido. Ainda há muita gente atenta aos bichos, e muitas alegrias na vida. O email do Jorge foi apenas um dentre vários que recebi a respeito dos quero-queros, que estão com um cartaz daqueles: apesar de apedrejadas, atacadas por mendigos e perseguidas por cretinos armados de cães ferozes, as avezinhas têm um vasto fã-clube, que se manifestou em peso depois da coluna da semana passada. Como muita gente pediu notícias, tenho o prazer de informar que a pequena família da Lagoa vai bem, obrigada, e estava firme na sua querência quando a vi terça à tarde.

Infelizmente, eu estava sem câmera para fotografá-la. No dia anterior, depois de olhar pela janela e ver um sol a pino com umas nuvens interessantes ao fundo, achei havia ali a promessa de um pôr-do-sol digno de equipamento pesado, e lá fui, toda animada, carregando a câmera de verdade, lentes bacanas, tripé.

Pelo caminho conversei com donos de cachorros simpáticos, alguns amigos, a turma do coco, o garçom do Palaphyta. Reinava a paz. O pôr-do-sol se mostrou indigno do equipamento: foi tão mixuruca, que poderia ter sido fotografado com um celular qualquer. Fiz uns cliques para não perder a viagem, encontrei mais amigos, bati mais papo e voltei para casa noite fechada.

Depois de jantar fui para o computador onde, no blog do Ancelmo, fiquei sabendo que, pouco antes da minha chegada, ali mesmo em frente ao Corte, ladrões haviam atacado uma equipe que fotografava a Carol Castro, e levado todo o equipamento. Fiquei besta com a audácia e a eficiência dos caras, que agiram virtualmente despercebidos: afinal, se alguém tivesse visto alguma coisa, teria comentado comigo, até porque eu estava com o mesmo, digamos, “uniforme” das vítimas.

Não sou de me assustar com facilidade, não tenho nenhuma vontade de deixar de usar a minha cidade dando-a de mão beijada para a bandidagem, mas também não sou maluca de sair com os meus brinquedos mais caros (em todos os sentidos) sem um mínimo de segurança. Pretendo fazer amanhã, sem falta, o seguro que já deveria ter feito ontem. Independentemente disso, como em rio que tem piranha jacaré nada de costas, penso também em me dedicar à aquarela: não há casos registrados de roubos de cavaletes, tinta e pincéis.

O pior é que já fui ótima em brincar de avestruz com a violência no Rio; já fui craque em justificar toda a espécie de comportamento de risco que assumi voluntariamente, porque me revolta morar na cidade mais bonita do mundo e não poder apreciá-la de todos os ângulos. De uns tempos para cá, porém, dei de ficar covarde (ou sensata: há divergências na família). Não sei se ainda é conseqüência do atropelamento, da dor constante no joelho e da falta de agilidade e de autoconfiança que ela me impõe, ou se é, pura e simplesmente, a soma de tantas evidências.

* * *

Voltando aos nossos quero-queros, que renderam tantas e tão boas mensagens de leitores, destaco a simpática notícia que Robert Cyril Higgin dá de um casalzinho de Niterói:

“No Clube Naval nas Charitas também temos o nosso casal de quero-queros, que, graças aos cuidados tomados pela administração e pelos frequentadores do clube, já criou várias ninhadas de três filhotes. O interessante é que os filhotes vão embora tão logo têm autonomia, mas o casal permanece no clube, sempre fazendo ninho no gramado. Os dois, que nunca se separam, são de uma extrema fidelidade.”

E, lá no blog, meu amigo Tom Taborda tocou num ponto da maior importância:

“O que percebo é que há um grave equívoco na abordagem das questões ecológicas: ficam as campanhas, matérias na imprensa e assunto de sala de aula com coisas do tipo 'O Degelo da Antártida', 'A Floresta Amazônica', 'A Matança de Baleias' e assim por diante, tudo da maior importância, certamente, mas muito distante do dia-a-dia das pessoas.

A palavra Ecologia vem do grego oikós, 'casa'. Ecologia deveria ser, sobretudo, cuidar 'da nossa casa', onde moramos e vivemos. Não adianta o aluno fazer um trabalho escolar sobre o 'Desmatamento da Amazônia' e arrancar displicentemente o galho de uma árvore na calçada. Ou ficar sabendo da 'Matança de Focas' e não perceber a capivara nos arredores de casa. Destacar e valorizar a fauna e a flora urbanas deveria ser um assunto constantemente 'martelado' em campanhas públicas, nas escolas e nos meios de comunicação.”

Assino embaixo.


(O Globo, Segundo Caderno, 12.2.2009)

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