3.7.08


FIZ A FOTO de um celular com o outro; graças à transmissão digital, consegui acompanhar o jogo à minha frente

Uma noite inesquecível

O resultado foi uma injustiça e uma tristeza, mas a festa foi simplesmente maravilhosa

Na quarta-feira fui, pela primeira vez, assistir a um jogo no Maracanã. Eu já tinha ido ao estádio duas vezes. A primeira, há muitos anos, para assistir ao show do Paul McCartney; a segunda, mais recentemente, para entrevistar o jardineiro que cuida para que os quero-queros que moram no gramado não sejam triturados durante as partidas. Mas, segundo os especialistas, nenhuma dessas ocasiões conta como “Ida ao Maracanã” — aquele ritual sagrado que os torcedores de verdade prezam acima de tudo.

Saí cedo de casa, antes da cinco, e, já no engarrafamento da Lagoa, comecei a perceber a diferença: além dos vendedores de água e de biscoito Globo, havia uma multidão de vendedores de bandeira. Já passei por essa cena incontáveis vezes, mas como ela nunca me dizia respeito, não prestei a devida atenção. Dessa vez, observei o entusiasmo com que as agitavam e admirei seu profissionalismo. Não acredito que ambulantes que vendem bandeiras no engarrafamento sejam tão especializados que só negociem lábaros dos seus próprios times. Perguntei a dois deles, um perto do túnel, o outro já em frente ao Maracanã, por quem torciam na vida real. Um era Flamengo, o outro Vasco. Mas ali, no serviço, eram Fluminenses desde criancinhas.

Chegar a um Maracanã que se prepara para uma grande noite é, acreditem, emocionante demais — e, por incrível que pareça, muito mais tranqüilo do que eu jamais poderia imaginar. É que sempre tive a clássica visão das mães não-torcedoras a respeito do estádio, ou seja, a de que aquele seria um lugar perigosíssimo para os meus filhos.

Estava errada. Fico feliz em não ter sido uma mãe repressora e nunca ter proibido o Paulinho e a Bia de irem ao Maracanã. Agora tenho certeza de que ambos têm lembranças inesquecíveis na alma e, retrospectivamente, vejo que correram muito menos riscos do que se fossem, digamos, à Baronetti, aquela boate chique lá perto de casa. Basta fazer as contas: quantas brigas sérias acontecem no estádio, freqüentado por dezenas de milhares de pessoas, e quantas acontecem na Baronetti, que no máximo recebe algumas centenas? A Baronetti não sai das páginas policiais; já o bom e velho Maraca, mantidas as devidas proporções, pouco as freqüenta.

De modo que, pensando bem, ir a um jogo no Maracanã é um dos melhores, mais saudáveis e mais seguros programas do Rio.

Não sou tricolor. Torço — se é que se pode dizer isso de alguém que não sabe o que é futebol — pelo Flamengo, porque é o time dos meus filhos e, sobretudo, porque sempre me pareceu a cara do Rio. Mas quanto mais tricolores chegavam ao estádio, mais entusiasmada eu ficava com a vibração dos torcedores. A Bia ligou para saber o que eu estava achando.

— Estou achando lindo! — berrei ao celular, tentando ser ouvida. — É muito mais empolgante do que eu imaginava, a energia é incrível!

— Vê lá, hein, mãe? Não vai mudar de time só porque foi a um jogo!

Pois aí fiz outra descoberta. Torcer está na alma do país ou em algum elemento da água que a gente bebe, porque, apesar de tudo, meu coração bate pelo Flamengo. Eu estava ali como brasileira, torcendo para que o Brasil levasse a melhor; mas se o Flamengo estivesse em campo, teria que pedir um Rivotril emprestado ao Pedro Bial, que mal se continha de emoção.

Outra noção errada que eu tinha era a de que estádio de futebol é lugar de marmanjo. Embora a maioria dos torcedores seja composta de homens, fiquei surpresa com a quantidade de mulheres e crianças que vi. A última coisa que a mãe não-torcedora imagina é que o Maracanã seja um programa família; mas é.

Havia crianças de todas as idades, de bebês de colo a adolescentes. Havia famílias inteiras. Havia namorados. Havia grupos de meninos e meninas. E, na saída, ainda que morrendo de pena das crianças que choravam, desconsoladas, achei que, afinal, não deixa de ser uma experiência construtiva ir a uma festa praticamente garantida e viver tal virada da sorte. Uma família que atravessa isso junta vive um importante momento de crescimento, sem precisar passar por uma tragédia (em que pese a opinião contrária de torcedores fanáticos). Estarei virando fã de futebol?

Não. Continuo sem entender o que acontece em campo, e o que me salvou foi o celular, onde acompanhei a transmissão digital da Globo. Assim como escola de samba, se é para ver, televisão funciona bem melhor, mostra detalhes e tem comentadores que explicam tudo. Para sentir a energia e ficar arrepiada da cabeça aos pés, porém, nada se compara a estar lá. Já vi muita festa bonita na vida, mas quase nada se compara àquele Maracanã lotado, com fogos de artifício e uma torcida em polvorosa. Só senti falta de outra torcida igualmente vibrante e, sobretudo, de um resultado mais justo. Por mais que me expliquem, não aceito que um time que ganhou de 3 a 1 deixe o estádio derrotado.

Cora Rónai é cronista do Segundo Caderno e da Revista Digital e, apesar de ter coberto a Copa de 2006 na Alemanha, não entende nada de futebol. Jura que não é pé frio.


(O Globo, Esporte, 4.7.2008)

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