Mais uma da capivara
Meu colega Bruno foi passear de bicicleta e...
"Tediosa manhã de domingo. E o dia ainda por cima lindo. O sol como se estivesse ali para lembrar o absurdo de ficar em casa olhando o tempo passar. Um disco, a TV, um livro, o jornal, o que mais? Um telefonema para avisar que a praia está boa. "Vamo? De repente a gente nem desce pra areia. Toma uma água de côco. No quiosque do pão de queijo. Leva o celular."
Será?, pergunta a si mesmo, cabeça inchada da cerveja da véspera, nada a fazer a não ser nada. Um passeio de bicicleta não pode fazer mal. Só pode fazer bem, o ciclista se convence, suspirando e admitindo enfrentar uma corrida de obstáculos na pista da Lagoa, entre triciclos, patins, patinetes, uma frota diversa. Pouco tempo depois, a tranqüilidade com que pedalara pelas ruas internas dá lugar ao ritmo irregular na calçada movimentada à beira do espelho d`água.
O ciclista prefere não olhar quem passa, ou pelo menos finge para si mesmo que não vê. Óculos escuros, boné, disfarça o humor instável e segue em frente, prendendo a respiração antes de atravessar o trecho do parque, de onde exala o cheiro acre da comida dos quiosques onde as pessoas falam, comem, bebem, observam e pedem ao tempo para passar.
O ciclista prefere achar que passa pelo tempo. Alcança o Jardim de Alá e segue para a praia, chegando a uma ciclovia exclusiva, onde a frota é menos diversa. Só dá bicicleta e gente que insiste em correr ali, embora toda uma pista da rua esteja fechada aos carros. Será mais fácil para esses corredores conviver com rodas do que com pernas desaparelhadas como as deles? O ciclista de aborrece. Maldição dominical.
No chegada ao quiosque, os amigos, merecido prêmio para a corrida de obstáculos. Meia hora de conversa fiada, água de côco, "vamo pra areia?"... o ciclista reflete um pouco e declina. É preciso achar um lugar para estacionar a bicicleta (impossível, tudo tomado), a areia vai estar quente, a água do mar suja, as pessoas suando... ele pede desculpas. Pensa na sombra, na rede, no sono e se despede.
Na volta, pensa que até valeu a pena sair para ver o dia, encontrar os amigos, mas não tem muita certeza. Enquanto pedala, vê meia dúzia de pessoas paradas diante da Lagoa observando alguma coisa. Mal contém o espanto e freia bruscamente ao olhar para o lado e dar de cara com um quadrúpede absolutamente bizarro e inusitado naquela paisagem. Uma capivara.
Capivara? É, responde alguém já no tom de quem se acostumara com a visão daquele verdadeiro apocalipse animal. Tamanho de porco, mas cara de rato. Não. Cara de anta. Mordiscando mato à beira da Lagoa e absurdamente alheio à platéia. O ciclista ri. De onde veio? Os palpites pululam. Talvez por um rio que desce encanado da floresta. Será que o bicho entrou pelo cano? Ou será que o prefeito do factóide achou por bem homenagear os políticos e soltar uma capivara na Lagoa?
O ciclista observa mais alguns minutos o animal e segue seu rumo, o humor ridiculamente recuperado pela presença daquela criatura, admite, rindo de si mesmo. Enquanto pedala, planeja assim que chegar em casa telefonar para contar a novidade. Depois, sim, finalmente descansar e sonhar com um monte de capivaras passeando no calçadão." (Bruno Casotti)
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