15.1.04



Eu era assim...
e continuo igual


Depois de 30 anos de dietas milagrosas, cronista recusa-se a perder a fé


Uma vez, O GLOBO fez uma reportagem com os dez principais médicos de regime do Rio. Não necessariamente os melhores, notem bem, mas os mais conhecidos, autores de best-sellers e de métodos especiais de dieta, favoritos de dez entre dez celebridades-prêt-à-porter. Algumas repórteres marcaram consultas, foram devidamente examinadas e receberam receitas de fórmulas “alternativas” — todas, em tese, inofensivas. As receitas foram em seguida apresentadas a médicos sérios, que as traduziram para os leitores.

Pois ali, disfarçadas em remedinhos básicos de manipulação, estavam bolas da pesada, capazes dos piores estragos. Se bem entendi os doutores do bem, tomar uma delas ou formicida na veia dava mais ou menos na mesma.

* * *


A reportagem me chamou a atenção por um curioso detalhe: eu já havia feito dieta com oito (!) daqueles médicos. Só não fiz com os dez porque o tratamento de um era à base de injeções, e tenho pavor de injeção, e o outro só poderia me atender em agosto — e quando eu quis consultá-lo estávamos, para variar, no começo de janeiro, essa época terrível em que saímos direto dos panetones e das rabanadas para a luz inclemente da praia.

Comentei o fato com os colegas que estavam fechando a matéria e eles ficaram escandalizados:

— Você?! Nesses picaretas?! Uma mulher inteligente...!

Pois é. Inteligente, sim, mas magra, não — e vivendo numa sociedade em que todos os excessos são permitidos... menos o excesso de peso. Pelo contrário: a imagem da mulher ideal vendida pela publicidade, pela moda e pelos meios de comunicação é tão afastada da (excessiva) realidade que dizer a uma amiga que ela emagreceu é sempre um elogio — ainda que, na verdade, ela melhorasse muito se engordasse uns dez quilos. Mas fazer uma observação dessas, hoje, nem pega bem.

Conheço mulheres de 50 anos que vivem à custa de anfetaminas, há décadas não fazem uma refeição digna do nome, se orgulham de comprar roupas em lojas para adolescentes e são, para todos os efeitos, consideradas bonitas. E, pasmem, normais.

Também conheço mulheres perfeitamente bonitas (e, para todos os efeitos, normais) que há tempos não conseguem comprar roupa aqui no Rio — a menos que se conformem em apelar para lojas de gordinhas. Onde, em geral, nada se encontra de elegante e as vendedoras atendem com tão eufórica simpatia, que nem se lhes nota a comiseração.

Enfim: a pressão é tão grande que a gente topa qualquer negócio, mesmo sabendo, de antemão, que aquilo não vai dar certo. E, assim que aparece um novo pajé milagroso na praça, corre para marcar consulta.

* * *


Alguns desses senhores sequer são médicos; a maioria sequer é alfabetizada. Todos cobram uma fortuna, e quase todos atendem em consultórios luxuosíssimos, onde, como sói, não há uma só peça de bom gosto.

Nas salas de espera, mulheres até muito magras, que provavelmente fariam mais negócio se estivessem num bom terapeuta. Talvez também estejam.

* * *


A relação com qualquer desses médicos é sempre baseada em desprezo mútuo. Nós os desprezamos porque são picaretas; eles nos desprezam porque temos mais de 40 quilos e, obviamente, porque não é possível ter respeito por quem freqüenta picaretas. Apesar disso, como precisamos uns dos outros, há sempre uma cortesia falsa e excessiva no ar, pontuada de elogios e diminutivos. Hipocrisia, teu nome é dietética.

No filme da minha vida, aquele que vai passar inteirinho pela minha cabeça segundos antes do fim, apareço numa sucessão desses consultórios. Sempre com a certeza (confirmada) de estar sendo otária e a esperança (frustrada) de vir a ser magra.

* * *


A essa altura, é lógico que sei que as boas dietas (existe isso?) não dependem de fórmulas milagrosas; já cansei de ouvir falar em reeducação alimentar e na importância do exercício físico para a beleza e para a saúde; virei especialista em calorias, fibras e gorduras. Em suma, conheço a teoria como ninguém. Afinal, são 30 anos de tentativa e erro. Bota erro nisso!

Mas tudo bem, um dia eu acerto. Dizem que tem um cara ali na Barra que receita uns remédios à base de algas dos Alpes Marítimos que secam a pessoa em duas semanas.

Sem dieta e sem ginástica.

Tô dentro!


(O Globo, Segundo Caderno, 15.1.2004)

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