Um (possível) ponto positivo do ataque
Ao gerar a maior onda de antiamericanismo jamais vista, Bush pode ter liberado a cultura mundialPoucas coisas perturbam tanto Jack Valenti, eterno presidente da MPAA (Motion Pictures Association of America, entidade que devota boa parte do seu tempo e energia a combater qualquer inovação tecnológica), quanto uma nova descoberta:
-- A crescente ameaça representada por essa nova tecnologia põe em perigo a vitalidade econômica e a segurança futura de toda a nossa indústria -- afirmou, em depoimento ao congresso americano. -- Para o produtor de cinema e o público americano, ela é equivalente ao estrangulador de Boston diante de uma mulher sozinha.
Corria o ano de 1982, e ele queria porque queria que o congresso banisse uma coisa terrível chamada videocassete, que permitia aos usuários gravarem programas e filmes direto da televisão. Felizmente os tempos eram outros, e os legisladores entenderam que o público seria prejudicado se os interesses da MPAA fossem atendidos.
Ironicamente, Hollywood também saiu ganhando com a sua derrota. Não fossem os videocassetes e toda a indústria de venda e aluguel de filmes que geraram, os estúdios estariam, hoje, numa situação assaz complicada.
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Tá, mas isso foi há mais de duas décadas. Por que tocar no assunto agora? Simples: porque, nos últimos anos, a MPAA e o indefectível Jack Valenti voltaram a atacar, dessa vez opondo-se à internet e aos formatos digitais que permitem a transmissão de músicas e vídeos pela rede. Graças ao poderoso lobby da indústria de entretenimento, os EUA aprovaram, em 1998, o DMCA (Digital MIllenium Copyright Act), que dispõe sobre direitos autorais no mundo digital. Inicialmente destinado a coibir a pirataria, o DMCA representou um gigantesco retrocesso legislativo: através dele, os direitos dos usários têm sido postos em xeque, e a pesquisa científica, a liberdade de expressão e a livre concorrência vêm sendo sistematicamente ameaçadas.
Ainda assim, Mr. Valenti não está contente. Quer mais - e, para isso, acaba de descobrir uma palavra mágica: terrorismo. Assim, a pirataria internacional estaria não apenas ameaçando a indústria, mas também financiando o terrorismo. O governo lá de cima, que não precisa de estímulo para ser truculento, já mandou avisar ao mundo que se cuide. Enquanto isso, a MPAA uniu-se à RIAA (Recording Industry Association of America - aquela, que matou o Napster) para convencer governos estrangeiros a adotarem legislação tão daninha quanto a sua. Não surpreendentemente, a união atende por "Coalisão da indústria do entretenimento pelo livre comércio", Entertainment Industry Coalition for Free Trade, ou seja: mais um daqueles free-alguma-coisa em que eles, para variar, têm todos os direitos e nós, todos os deveres.
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Tenho a impressão de que vamos ver coisas muito interessantes acontecendo na cultura brasileira.
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(O Globo, Segundo Caderno, 26.3.03)
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